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Três atores d’A Outra Companhia de Teatro, de Salvador, preparam-se para vivenciar momentos de tortura. Eles vão passar meia hora diária, durante três dias, trancafiados em um contêiner escuro e sem refrigeração. A experiência é só uma ínfima mostra do que viveram três africanos presos por cinco dias em um contêiner após serem descobertos em um navio cargueiro português.

O caso verídico, narrado pelo angolano José Mena Abrantes no texto O Contentor, já virou notícia banal. Diariamente, pessoas de países pobres embarcam clandestinamente em navios, sem ao menos saber para onde estão indo. Mas, o que leva essa gente a se arriscar assim em jornadas suicidas?

O Contêiner, espetáculo que estréia hoje, às 20h30, no espaço Barracão, tenta oferecer respostas à questão.

O elenco é formado por nove atores coadjuvantes e um contêiner, o grande protagonista, totalmente vedado e suspenso no meio do palco. "É como se o governo o colocasse na sala da nossa casa. Não há como fugir deste elefante branco, que representa a responsabilidade de todos nós pelo problema", conta a atriz Isabela Vieira.

À adaptação do texto de Abrantes somaram-se pequenas cenas de pessoas querendo partir, encenadas, por vezes, simultaneamente à atuação dentro do contêiner. "Elas foram criadas a partir de improvisações. Parto sempre do imaginário, das referências do atores", conta o diretor Vinício de Oliveira Oliveira, de 26 anos.

A equipe passou meses "enfiada" em livros, reportagens e outros documentos sobre o tema. "Começamos pelo tráfico de escravos, estudando as rotas deste tipo de migração forçada", diz Isabela. As descobertas foram surpreendentes. "Ninguém fica sabendo da maioria dos casos porque, assim que são descobertos, os viajantes são lançados ao mar", conta o diretor.

Apesar da crueldade do gesto, a tripulação não é mostrada de forma estereotipada. "Ninguém é bom ou mau. O capitão é pressionado a tomar uma atitude sob pena de ter que se responsabilizar por todos os prejuízos", explica a atriz.

Tanta pesquisa não produziu um espetáculo documental. "O que queremos mostrar é o desejo, o sonho, e as fronteiras que as pessoas precisam atravessar para alcançá-lo", conta Vinício.

No começo, um narrador em off (só se ouve sua voz) apresenta dados recentes sobre as migrações ilegais. O texto vai se tornando sarcástico à medida que começa a misturar essas informações a agradecimentos aos apoiadores do espetáculo. É como se ironizasse: "Nós temos apoio, eles não", seguindo o enunciado que acompanha o título do espetáculo: "Ou você tem ou não tem".

O desespero de milhares de pessoas dispostas a vivenciar essa situação de risco é revelado em gravações do interior do contêiner feitas com câmeras infra-vermelhas. Fora dele, o público acompanha o impasse de não saber o que fazer com homens que chegam como caixas.

Serviço: O Contêiner. Barracão (R. Mateus Leme, 2926). Com A Outra Companhia de Teatro. Dias 29, 30 e 31, às 20h30. Ingressos a R$ 26 e R$ 13 (meia).

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