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Amanda Rossi foi encontrada morta dentro do campus da Unopar | Roberto Custódio/JL
Amanda Rossi foi encontrada morta dentro do campus da Unopar| Foto: Roberto Custódio/JL

Tombado como patrimônio cultural imaterial pelo governo carioca, o samba vive um novo momento de efervescência ao completar seus 90 anos – caso se aceite como marco inicial do gênero a gravação de "Pelo Telefone", em janeiro de 1917, por Ernesto dos Santos, o saudoso Donga.

Era um samba com jeito de maxixe, como lembra o pesquisador Ricardo Cra-vo Albin em O Livro de Ouro da MPB (Ediouro). É do autor, por sinal, a obra Tones and Sounds of Rio de Janeiro of Saint Sebastian, editada pelo Cepartamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores como presente oficial para todos os chefes de estado que visitarem o Brasil a partir deste mês. Mais uma prova de que o samba está em alta. E é mesmo de altos e baixos, cíclicos, que vive o gênero, segundo a análise dos críticos de música entrevistados pelo Caderno G Idéias .

Se os anos 80 foram época de ocaso, quando o samba não deixou de ser feito, mas perdeu a atenção da mídia e do grande público para o rock, os anos 90 foram contraditórios. Imersa em modismos passageiros que dominaram o mercado, a década projetou o pagode em sua vertente claramente comercial – uma "deformação", na opinião do pesquisador e crítico Sérgio Cabral, que não passava de "mímica do samba", expressão emprestada do sambista Elton Medeiros. "Tinham pose, instrumentos e cara de sambistas, mas não eram sambistas", explica, referindo-se às bandas de pagode que infestaram as rádios e a programação de tevê.

Ao mesmo tempo, porém, dois músicos populares chamaram a atenção novamente para o samba "legítimo". "O ‘status’ melhor do samba no momento é resultado de um processo iniciados nos anos 90, quando Martinho da Vila (a partir de "Tá Delícia, Tá Gostoso") e Zeca Pagodinho (a partir de "Samba pras Moças") voltaram a fazer sucesso , acima do que esperavam os marqueteiros, e foram trazendo com eles um novo interesse da imprensa, um novo público e uma nova escala de audiência", analisa Luiz Fernando Vianna, jornalista e crítico que compartilha com Aldir Blanc e Hugo Sukman a autoria do livro Heranças do Samba (Casa da Palavra).

De lá pra cá, a retomada de interesse pelo gênero tipicamente brasileiro só aumentou. Comprovando seu caráter cíclico, o samba se reaproximou das classes média e alta, como já havia acontecido em outros momentos por intermédio de cantoras como Clara Nunes e Nara Leão. A juventude "intelectualizada" o redescobriu, ocupando os bares da Lapa carioca e, estendido o fenômeno ao restante do país, tornou-se público-alvo de uma porção de registros que reposicionaram o samba no mercado fonográfico, como os mais recentes álbuns de Marisa Monte e Maria Rita (ambas, ótimas vendedoras de CDs).

"As classes médias e altas foram e são pródigas em se apropriar de culturas nascidas e fermentadas na periferia. O detalhe venenoso é que não raro passam depois a tratá-las como se fossem invenções e propriedades suas, ao mesmo tempo que, muitas vezes, se mantêm hostis aos personagens e às fontes originais de onde beberam", opina o crítico Pedro Alexandre Sanches, subeditor da revista Carta Capital.

Sanches divide em duas frentes divergentes e complementares o renovado interesse pelo samba, geradas pela inevitável tensão entre tradição e inovação. De um lado, o clássico "samba de raiz", intrinsecamente ligado à mitologia do samba. Essa é a linhagem resgatada por Teresa Cristina, Mariene de Castro, Beth Carvalho, Paulinho da Viola (que entrou pro rol dos artistas do Acústico MTV, de perfil adolescente) e até por cantores da chamada "nova MPB", como Edu Krieger, Seu Jorge, Orquestra Imperial, Mariana Aydar, Roberta Sá e as já lembradas Maria Rita e Marisa Monte, que mantêm a estética tradicional do samba.

Em paralelo, corre o samba "misturado", que encontra certa resistência entre os mais tradicionais, "mas cuja força e influência são incontestavelmente crescentes no Brasil", diz Sanches. Ele cita as fusões com o funk, feitas por MC Leozinho, e com o rap, por Rappin’Hood, Marcelo D2 e MV Bill, além do samba eletrônico, samba-reggae, axé e pagode R&B, samba-rock e samba-soul", diz.

"Esse é o jeito antropofágico de sambar ou de fazer ‘música popular brasileira. Talvez seja a própria existência concomitante da mão e da contramão que garanta a permanência do samba, assim como a contínua evolução da música rumo a destinos diversos e abundantes", acredita Sanches.

Sérgio Cabral discorda: "Aí não é samba, vira outra coisa. Não provoca renovação nem é saudável. São coisas passageiras". Para ele, a renovação acontece, mas é interna, como fez o pagode respeitado de Jorge Aragão e Almir Neto e o movimento do Cacique de Ramos, que trouxeram novos instrumentos, andamentos e abordagem ao samba.

Luiz Fernando Vianna pondera que o gênero já nasceu como mistura – a união da percussão de origem africana com o violão de origem portuguesa. "Por isso, acho ótimo que se tente misturar o samba como rap e com outras coisas. Mas nem tudo é de boa qualidade, é claro", observa o crítico, satisfeito com a atual fase do samba. "As coisas estão indo bem, principalmente quanto à qualidade do que se faz. Só que nunca será o gênero que fará mais sucesso, não é da sua razão de ser musical e social", diz Vianna. Mais um motivo para se comemorar o bom momento.

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