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Há quem diga que toda a premiação do Oscar comete injustiças. A de 2006 será lembrada como aquela que abusou desse direito. Primeiro porque subestimou uma leva de filmes que a imprensa especializada julgou, não sem certo exagero, como excepcionalmente boa (Boa Noite e Boa Sorte, Capote, Munique).

Depois, porque premiou Crash – No Limite, o pior da safra, como melhor filme. O longa de Paul Haggis e sua tentativa brutalizada de compor um painel cultural dos Estados Unidos já parece pequena diante de Plano Perfeito, que cumpre a função com menos esquematismo e mais diversão ao retomar um cinema de gênero quase morto (o filme de assalto). Resta ver se o esforço do diretor Spike Lee será reconhecido no Oscar 2007.

Porém, o derrotado que mais almas afetou foi O Segredo de Brokeback Mountain, adaptação do conto homônimo de E. Annie Proulx. O filme comoveu multidões e indignou outras tantas, que se recusaram a ir ao cinema, abandonaram as sessões nas cenas-chave, ou até proibiram sua exibição (como aconteceu nos Emirados Árabes). Isso porque o filme narra uma história de amor impossível entre dois homens. Com um detalhe, porém. Há duas ou três cenas mais explícitas, que mostram os rapazes se acariciando e se beijando.

Homossexualismo no cinema não é novidade, seja no circuito americano dito independente, ou mesmo nas cinematografias de outros países. A própria indústria já incorporava subtextos ambíguos nas amizades masculinas do cinema de Howard Hawks (Rio Vermelho), ou mesmo em suspenses como Festim Diabólico (profundamente analisados por pensadores na linha da falecida Susan Sontag). Pode se argumentar, porém, que nunca houve um filme feito para audiências tão amplas e diversas, e que expusesse o tema tão de frente.

As cenas em questão não são gratuitas, mas interessantes, porque exploram beijos e a tensão entre os corpos dos personagens de maneira unicamente possível entre dois homens. Por isso, os amassos que Ang Lee encenou contam com carinhos violentos, empurrões, até socos. Uma camisa manchada de sangue é, em última instância, a representação desse amor ao mesmo tempo terno e bruto, segundo o filme.

O Segredo... não é um western propriamente dito, mas um melodrama que se apodera de elementos típícos do bangue-bangue, na relação homem-natureza, nos grandes planos abertos, nas vestimentas, nos "homens-marlboro". O mais relevante é o personagem de Ennis Del Mar (cujo significado é ilha do mar), interpretado por Heath Ledger, uma herança distante do "cavaleiro solitário", arquétipo central na mitologia do Oeste Americano. Sua aparição na pele de John Wayne de Rastro de Ódio é talvez a mais famosa delas e viria a ser retrabalhada infinitamente por Clint Eastwood, primeiro como ator, nos filmes de Sérgio Leone, e depois por conta própria, em Cavaleiro Solitário, ou mesmo em outros gêneros (Crime Verdadeiro e Poder Absoluto).

Em Brokeback Mountain, Ennis del Mar não é justiceiro, mas um homem desajustado, duro e cheio de rachaduras que segue o destino sozinho, como todo cavaleiro solitário. Sua contrapartida, Jack Twist (Jack "torcido"), no papel de Jake Gyllenhaal, é aquele que se adapta às diferenças, que troca a vaca pelo trator. Seu destino será digno de um melodrama e as suas cinzas terão o mesmo fado daquelas de As Pontes de Madison.

A direção de Lee é competente e correta nas escolhas, o que resulta em um filme bem resolvido, mas não brilhante (Clint Eastwood e Todd Haynes são mais interessantes enquanto estudiosos de gêneros). Outra de suas grandes qualidades é mostrar a relação do lado "de dentro". Não há cenas, como se poderia esperar, dedicadas ao mundo externo aos personagens, nem fofocas sobre a sexualidade de ninguém. Tampouco desvios para se mostrar como a sociedade percebe o relacionamento em questão. Curiosamente, também essa rejeição não é algo oculto no filme, mas um monstro que se desenvolve fora da estrutura narrativa, para depois tomá-la de assalto, com efeito de choque. GGGG

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