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“Em Porto Alegre, há um "apartheid". A classe média não assimila a produção cultural da classe menos favorecida economicamente.” Ricardo Silvestrin, poeta e compositor | Arquivo pessoal do autor
“Em Porto Alegre, há um "apartheid". A classe média não assimila a produção cultural da classe menos favorecida economicamente.” Ricardo Silvestrin, poeta e compositor| Foto: Arquivo pessoal do autor

2010 promete para Ricardo Silvestrin. Depois de 12 livros publicados, mais de três décadas imerso em poesia, pode ser que ele venha a ter a oportunidade de fazer apenas o que realmente gosta: poesia, prosa e música.

Os eventos literários realizados no Brasil representam uma oportunidade mais que de exposição de trabalho. Durante a última semana do mês de outubro, Silvestrin esteve em Passo Fun­­do. Participou ativamente da 13.ª Jornada Nacional de Literatura, seja na condição de escritor ou como cantor da banda poETs. Se­­mana passada, ele foi uma das atrações da 55.ª Feira do Livro de Porto Alegre.

Esses eventos relacionados ao universo literário, que acontecem em todo o Brasil, de Porto de Galinhas a Manaus, incluindo Curitiba, oferecem remuneração (em dinheiro) aos convidados.

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Silvestrin, hoje com 46 anos, vende já há 15 anos parte de seu tempo para agências de publicidade. Esse sistemático trabalho em articular textos, ordenar (e desordenar) signos, o credenciou como um requisitado profissional do mercado de comunicação porto-alegrense.

Mas, independentemente de ser bem-sucedido como publicitário, planeja sobreviver apenas de sua atividade de artista.

O gremista conta que trabalha para poder se divertir. Sai, toda semana, para dançar com a sua esposa, Carla, que é psicanalista. Com ela, e com os amigos Alexandre Brito e Ronald Augusto, colegas da banda poETs, frequenta bares da Cidade Baixa, bairro boêmio da capital gaúcha.

Heavy metal no papel

Ainda adolescente, 15 anos no máximo, Silvestrin ouvia os discos dos ingleses do Deep Purple e queria montar uma banda de som pesado. Então, descobriu a poesia de Manuel Bandeira. "Percebi que o Bandeira, com aquele texto visceral, era mais heavy metal do que qualquer banda de rock."

Silvestrin ti­­nha 20 e poucos anos quan­­do co­­nheceu, em Porto Ale­­­­gre, Paulo Leminski e Alice Ruiz. A poesia os aproximou. Tempos depois, ele participou do En­­contro Bra­­si­­leiro de Haicai, em São Paulo. Além de ter sido premiado, após declamar alguns versos, foi elogiado publicamente por Le­­minski.

"Gênio, gênio, gênio. O Le­­­mins­­ki me chamou de gênio de­­pois que eu declamei alguns haicais. Quer glória maior que essa?"

Ele se formou em Letras na Uni­­versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1981, ingressou mas não concluiu o curso de mestrado: decidiu investir tempo e esforço na poesia.

Poa autofágica, tchê!

"Os gaúchos também são autofágicos." A frase, de Silvestrin, é não apenas algo inédito como, principalmente, um enunciado bombástico. Afinal, o senso comum aponta que apenas o curitibano seria autofágico (insensível e/ou destrutivo diante das manifestações culturais de seus conterrâneos), diferentemente dos nascido no Rio Grande do Sul, que, pelo menos do ponto de vista do "mito", são con­­­­siderados mais atentos ao que se pensa e produz artisticamente em sua aldeia.

Silvestrin conta que o gaúcho costuma reconhecer um semelhante apenas depois que o resto do Brasil, "principalmente São Paulo e Rio de Janeiro", aprová-lo. No entanto, ele analisa que existe um outro problema na capital mais ao sul (e isso artisticamente falando): uma cisão social. "A classe média não aceita, nem reconhece, a cultura popular, como os sambistas e os carnavalescos gaúchos."

Ele não se queixa. É, guardadas as proporções, reconhecido, absorvido e badalado pelas instituições e pelos agentes culturais. Depois de dez livros de poesia e alguns prêmios, experimentou ser prosador. Escreveu um livro de contos (Play) e um romance (O Videogame do Rei), ambos editados pela Record. Silvestrin acredita que conseguiu mais visibilidade em âmbito nacional não apenas por ter "migrado" para a prosa, mas pelo fato de a Record distribuir os seus livros em praticamente todo o território brasileiro.

O poeta pretende visitar mais Curitiba, onde tem alguns amigos. Um deles, o artista plástico Rettamozo, com quem Silvestrin se comunica, principalmente, pelo universo virtual. "Se Curi­­ti­­ba é autofágica, não sei. Sei apenas que os curitibanos e as curitibanas que conheço são pessoas inteligentes, bem-humoradas e afetuosas. E uma cidade, todos sabem, é um espelho de seus habitantes."

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