• Carregando...
Javier Bardem em cena do drama Biutiful, de Alejandro González Iñárritu | Fotos: Divulgação
Javier Bardem em cena do drama Biutiful, de Alejandro González Iñárritu| Foto: Fotos: Divulgação

A arte de se esforçar

Parece que Javier Bardem foi predestinado para uma vida de ator. Além da mãe, os avós maternos também eram atores proeminentes e um dos tios, Juan Antonio Bardem, foi um roteirista e diretor relevante (além de líder do Partido Comunista Espanhol), mais conhecido pelo filme Morte de um Ciclista.

De início, Bardem tentou resistir a seguir a tradição da família. Treinou rúgbi na juventude, com paixão, o que lhe rendeu alguns ossos quebrados e lhe ensinou o senso de trabalho de equipe que os cineastas admiram tanto. Contudo, quando chegou a hora de escolher uma carreira, decidiu ir para a escola de arte com a intenção de se tornar pintor.

A fim de ganhar o dinheiro necessário para os estudos, fez pequenos trabalhos como ator, adotando o sobrenome da mãe em vez de usar o Encinas, do pai, o que teria sido mais comum. Nas aulas de arte, ele descobriu que embora tivesse algum talento, a única coisa que queria desenhar eram "rostos, olhos, expressões e corpos", e não paisagens ou trabalhos abstratos.

Chegou à conclusão que o seu interesse estava, na verdade, em como os seres humanos expressavam emoções. Nesse ponto, por volta dos 18 anos, a tradição da família Bardem e todos os anos observando a mãe serviram de referência e inspiração.

"Eu não gostava de ler os outros personagens para a minha mãe", lembra o ator. "O que me fascinava era poder ouvi-la. Ela pegava um roteiro ótimo com um monólogo e começava a recitá-lo, então parava e se corrigia. Ela voltava ao começo e seguia assim durante todo o trabalho. Depois de mais ou menos uma hora usando técnicas de memorização, ela levantava voo. Conhecendo o texto e tendo o controle, surgia a atriz e ela seguia dali em diante."

A lição que aprendeu dessa experiência foi que "para alcançar a arte, é preciso trabalhar duro". E acrescenta: "A arte não existe apenas como talento. Ela existe como esforço, trabalho e discernimento".

Muitos em um

As faces diversas do espanhol que começou atuando para pagar as contas do curso de arte:

  • Carne Trêmula (1997)
  • Antes do Anoitecer (2000)
  • Segunda-feira ao Sol (2002)
  • Mar Adentro (2004)
  • Onde os Fracos Não Têm Vez (2007)
  • Comer, Rezar, Amar (2010)

Nova York - Quando menino, a partir dos 9 anos e até a adolescência, o ator Javier Bardem costumava ajudar a mãe, Pilar, uma atriz conhecida na Espanha, a decorar suas falas. Na casa em que moravam, em Madri, ela dava a ele um roteiro e lia suas partes em voz alta enquanto o garoto ficava com todas as outras.

"A vida inteira eu vi minha mãe atuar e, apesar disso, não me sentia atraído pelo trabalho do ator", diz Bardem. "O que me atraía era o esforço de minha mãe, a dedicação dela, a seriedade do trabalho, o desejo de fazer alguma coisa. Mas eu não me importava com o que era essa coisa. Poderia muito bem ser pintura ou literatura, ou até mesmo rugby."

No entanto, aos 41 anos, Bardem é hoje um dos atores mais admirados do mundo, venceu um Oscar – como ator coadjuvante em Onde os Fracos Não Têm Vez, de Joel e Ethan Coen – e vê despontar no horizonte a possibilidade de disputar mais um. Com regularidade, diretores do primeiro time lhe oferecem papéis substanciais e ele encarnou personagens diversos com vários nomes importantes do cinema, incluindo Pedro Almodóvar, Woody Allen, Milos Forman e Terrence Malick.

"Eu acho que os melhores atores são aqueles que, além de talentosos, também conseguem se dedicar mais do que todo mundo, e Javy é assim", diz o diretor e artista plástico Julian Schnabel, que deu a Bardem o seu primeiro papel em língua inglesa no drama Antes do Anoitecer, uma década atrás. "Esse é o seu barômetro. Ele tem uma vida interior intensa, mas está tão envolvido no que faz, com tanta concentração, com tantos recursos que pode acionar, do humor ao desespero, que ele se torna aquilo, e nem parece que está atuando."

De acordo com Bardem, nada foi tão difícil – física e mentalmente – ou exigiu mais esforço e dedicação do que Biutiful, o drama dirigido por Alejandro González Iñárritu que deu ao espanhol o prêmio de melhor ator no Festival de Cinema de Cannes em maio último – o filme estreia no Brasil no próximo dia 28. "Para mim, Biutiful vai representar um marco divisor", disse.

No filme, ambientado em Barcelona, Bardem interpreta Uxbal, um criminoso medíocre e pai diligente de duas crianças cujo mundo, construído ao redor de imigrantes ilegais e da falsificação de mercadorias de luxo, está prestes a entrar em colapso quando ele descobre que tem uma doença grave. González Iñárritu, diretor dos filmes 21 Gramas e Babel, disse ter criado o personagem especialmente para Bardem – foi a primeira vez em que escolheu um ator antes de ter o roteiro pronto.

"Fisicamente, Javier possui um tipo de encanto que é tremendamente magnético e dinâmico", diz González Iñárritu. "Por outro lado, ele tem a força primitiva do minotauro, a potência de um touro que é metade homem, somado a um rosto que contém a essência do Mediterrâneo, como a de César numa moeda romana. Mas ele também tem a sensibilidade de um poeta, com sutileza e bagagem emocional, e são essas qualidades que fazem dele o ator ideal para encarnar esse personagem."

Em suas produções, González Iñárritu conduz as filmagens seguindo a ordem cronológica da história, o que é incomum no meio cinematográfico, e se tornou conhecido por exigir de seus atores 50 tomadas ou mais de uma mesma cena. Bardem sabia disso quando aceitou fazer Biutiful, mas ainda assim achou o processo extraordinariamente exaustivo – e não só porque machucou as costas numa sequência em que precisava erguer outro ator, convivendo com dores durante pelo menos metade dos cinco meses de filmagens.

Pelo fato de as cenas serem filmadas em ordem cronológica e de o personagem ter de lidar com a perspectiva da própria morte, Bardem disse que tinha de "seguir reprimindo a intensidade emocional". Ou, nas palavras de González Iñárritu, "Javier teve de encontrar um equilíbrio ao se entregar totalmente para um papel que exigia uma grande carga emocional, permitindo externar muito pouco".

Quase sempre, ele parece atuar intuitivamente, sobretudo em filmes aclamados pela crítica em que seus personagens encaram a morte, como Biutiful, Mar Adentro e Antes do Anoitecer. Mas descreve o seu trabalho como um processo meticuloso de elaboração. Questionado sobre dois momentos emocionantes de Biutiful, em que Uxbal, lutando contra a morte, não diz nenhuma palavra, Bardem pega uma folha de papel e começa a desenhar um diagrama ilustrando as etapas em que dividiu as duas cenas.

"Um personagem é como um prédio", ele explica. "Nunca estudei arquitetura, mas imagino que, antes, você precisa preparar o projeto, preparar a base, uma base sólida que tem a ver com o personagem, e construir a partir dela. Com isso claro, você pode trabalhar nos detalhes: eu quero paredes azuis, chão de madeira, quero que ele fale de um jeito ou que se mova de outro. Mas, antes, você tem que pensar."

Tradução de Irinêo Baptista Netto.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]