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Herford: sobre as mazelas humanas | João Caldas/Divulgação
Herford: sobre as mazelas humanas| Foto: João Caldas/Divulgação

Um bololô de paixões

Da Redação

Memória da Cana está com os ingressos quase esgotados – e isso porque foi criada uma sessão extra, na meia-noite de sexta-feira. A peça da companhia Os Fofos Encenam estreia amanhã e segue em cartaz até o domingo num palco inusitado: a Arena da Baixada, casa do clube Atlético Paranaense.

Escrita e dirigida por Newton Moreno, um dos principais nomes do teatro brasileiro atual, a montagem adapta um texto de Nelson Rodrigues, Álbum de Família, de 1945.

A ideia de Moreno foi "nordestinizar" o dramaturgo de Beijo no Asfalto, casando o "Anjo Pornográfico" (título da biografia de Rodrigues escrita por Ruy Castro) com Gilberto Freyre – autor de Casa-grande & Senzala e uma das referências importantes para a obra de Moreno.

A história segue a trama imaginada por Rodrigues, num bololô de paixões incestuosas. A ação acompanha uma família nordestina em que o pai é apaixonado pela filha – e compensa o amor proibido e abafado abusando de menores de idade –, a tia nutre uma paixão pelo cunhado com quem se envolveu no passado, um filho larga a mulher porque ama a mãe, que ama outro filho. Um terceiro é louco pela irmã e acaba se mutilando como forma de punição.

Não é exatamente um passeio, mas não poderia ser diferente em se tratando de uma peça com raízes rodriguianas, em que tudo é dito de maneira franca e direta, sem metáforas nem explicações. Em 1945, o governo de Getúlio Vargas proibiu a montagem de Álbum de Família e o autor acabou publicando o texto na forma de livro.

Moreno é autor de Assombrações do Recife Velho, texto em que já trabalhava com as influências de Freyre. Fazem parte do elenco de "atores-criadores" de Memória da Cana: Carlos Ataíde, Kátia Daher, Luciana Lyra, Paulo de Pontes, Marcelo Andrade e Viviane Madureira.

  • Memória da Cana: Nelson Rodrigues
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    Estrear no Festival de Curitiba é o equivalente a receber um passaporte para entrar em um patamar interessantíssimo do universo artístico. Essa é a opinião de Elias Andreato, diretor de Ghetto (confira o serviço), que será apresentada pela primeira vez no Brasil hoje e amanhã, no Teatro Paiol, em meio à Mostra Contemporânea.

    Em 2009, Andreato teve a oportunidade de estrear Doido durante o Festival de Curitiba. A montagem, um monólogo, que ele dirigia e atuava, rendeu ao artista o Prêmio da Associação Paulista de Crí­­ticos de Arte (APCA) na categoria melhor ator, e ainda uma indicação ao Prêmio Shell (edição 2010).

    Andreato sabe que nada é por acaso: ter uma montagem na grade do Festival de Curitiba é sinônimo de visibilidade. Jornalistas especializados e o público curioso estão de olhos bem abertos ao que está nos palcos curitibanos durante o mês de março. Por isso, e por muito mais, até mesmo pela simbologia de começar em pleno festival, que ele decidiu inaugurar o seu novo espetáculo nesta temporada de badalação.

    Caminhos cruzados

    No primeiro semestre de 2009, Andreato estava com vontade de transformar o conto "Yossel Rakover Dirige-se a Deus", do escritor lituano Zvi Kolitz, em dramaturgia. Faltava "apenas" encontrar um ator que, assim como ele, também tivesse interesse no mote do texto: o Holocausto.

    São Paulo, todos sabem, é uma megalópole, as ruas da cidade são muitas, mas, maktub (estava escrito) ou não, os caminhos de Andreato iriam coincidir com as rotas do ator Fábio Herford. Não foram necessárias muitas conversas para que a dupla entrasse em sintonia.

    O texto de Kolitz toca em pontos cruciais da alma de Fábio Herford. O pai e a mãe dele, Werner e Ju­­dihd, fugiram, respectivamente, da Alemanha e da Áustria. Eles acabariam morando na mesma rua, em São Paulo. A casa de um era de frente para a do outro. Só isso já daria livro ou peça, mas deu casamento. Herford cresceu ou­­vin­­do relatos de gente como os seus pais: fugitivos de um inferno na Terra, que é uma descrição de como era ser judeu e viver na Europa antes e durante a Segunda Guerra.

    Em novembro passado, Ghetto estava começando a ficar afinada. E essa afinação se deu, também, por meio da música. Herford cresceu em uma casa que sempre teve piano. Dias de chuva foram im­­prescindíveis para o impedir de jogar bola e soltar pipa, e o aproximar de teclas pretas e brancas do instrumento musical. Ele não sabia tocar, e, por isso, fez músicas sozinho. Na peça, três canções inéditas, que dialogam com o tema e ajudam na costura, são de autoria de Herford e são executadas por ele.

    Ghetto é uma releitura artística do que foi o Gueto de Varsóvia, o maior reduto judaico estabelecido pela Alemanha Nazista na Polônia durante o Holocausto, em plena Segunda Guerra Mundial. Em cena, o personagem Yossel, interpretado por Herford, sabe que vai morrer e o seu último ato será uma conversa com Deus.

    O que o público vai ver e ouvir, durante 60 minutos, é o que o personagem Yossel pensou e escreveu para deixar como legado. O personagem, observa Herford, tenta entender o que está acontecendo, e pretende decifrar um enigma: por que alguns homens exterminam os seus semelhantes?

    Andreato e Herford afirmam que uma das finalidades de Ghetto é relembrar o Holocausto, "até para que ninguém se esqueça deste marco negativo na História", dizem os dois. Mas eles também salientam que a montagem propõe uma discussão do ser humano. "Na peça, há um homem ambientado em determinado contexto. No entanto, estamos a fim de debater as mazelas humanas", diz Herford. Afinal, completa o ator, violência, abuso de poder e crueldade não são questões que dizem respeito apenas à Segunda Guerra, mas, principalmente, a esses dias de 2010.

    Leia mais sobre o Festival de Curitiba e programação completa do evento no site.

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