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Ela acompanhou de perto e foi figura central no surgimento do punk rock no porão nova-iorquino CBGBs em meados dos anos 70. Viveu a efervescência cultural da Nova Iorque daquela época ao lado do fotógrafo Robert Mapplethorpe, com quem foi casada.

Após lançar quatro álbuns – entre eles os antológicos Horses (1975) e Radio Ethiopia (1976) – casou-se com o guitarrista Fred "Sonic" Smith da banda MC5 e passou 15 anos vivendo num subúrbio de Detroit, criando os dois filhos e curtindo a vida doméstica. Em 1994, após a perda do marido, do irmão Todd, do amigo Mapplethorpe e dos pais, encontrou na volta aos palcos e na relação com os fãs a força para se recuperar.

Prestes a completar 60 anos, a poeta, ativista política, cantora, compositora e ícone do rock Patti Smith, que se apresenta em Curitiba na próxima terça-feira, no Tim Festival, conversou por telefone com a reportagem do Caderno G. De peito aberto e pés descalços, como costuma subir ao palco. Confira a seguir alguns trechos da conversa.

Caderno G – Li uma entrevista sua para o jornal britânico The Observer no ano passado em que você reclamou que seu cabelo está ficando grisalho, mas que, em compensação, sua voz está muito mais forte agora.

Patti Smith – (Risos) É, eu estou ficando velha e meu cabelo está grisalho, então fiz essa piada. Mas com certeza minha voz está mais forte agora. Acho que estou mais confiante, saudável e, obviamente, a tecnologia de som está mais desenvolvida. Quando ficamos velhos perdemos algumas coisas e ganhamos outras. Eu hoje sei que tenho muito mais confiança e gosto para me comunicar com as pessoas.

Sua performance no palco é bastante intensa. Quem assiste a um show seu tem a impressão de que você atinge tal ponto de concentração que é como se estivesse em uma espécie de transe. Como funciona isso?

(Risos) Eu tento me projetar nas pessoas e sentir a energia delas. Eu me apóio no público para que ele me ajude. Se estiver muito quente e úmido ou se eu estiver um pouco cansada, é o público que transmite a energia que me sustenta no palco e me ajuda a conseguir chegar ao fim de cada apresentação. Às vezes, os lugares para onde vai minha mente não estão relacionados apenas aos meus recursos interiores, mas aos recursos coletivos do público.

Você passou 15 anos longe dos palcos, período em que se dedicou a seu casamento e aos seus dois filhos, Jackson e Jesse. Somente após a morte de seu marido e de seu irmão é que voltou a se apresentar e a gravar novos álbuns. De que maneira você lida com essas perdas? A música acaba servindo como uma espécie de terapia para você?

Não só a música, mas a sensação de comunidade. Depois que meus amigos, meu marido, meu irmão e meus pais morreram, eu me senti um tanto perdida. Várias pessoas do meio artístico, como John Cale, Bob Dylan, Michael Stipe e Allen Ginsberg, vieram até mim e ofereceram ajuda. Eles achavam que eu deveria voltar a tocar ao vivo, pois assim sentiria o apoio das pessoas. Quando voltei a cantar após a morte de meu marido, ficava muito nervosa e emocionada, mas o público era sempre muito paciente e entendia minha situação. Eu fiz uma turnê com Bob Dylan em 1995 e ele me ajudou muito. Eu recuperei minhas forças naquele período. Então, não é só a música, é essa força que vem das pessoas.

No mês passado, o mundo relembrou a tragédia do 11 de Setembro, na ocasião em que os ataques completaram cinco anos. Você vive em Nova Iorque e é uma crítica ferrenha do governo Bush. O clima de terror e medo em relação a possíveis atentados terroristas ainda é muito forte entre os americanos? Acha que o governo vem se aproveitando disso para justificar a guerra no Iraque?

Eu vi as torres caindo e foi uma tragédia horrível. Mas acho que a maneira como o governo Bush usa essa tragédia para produzir uma atmosfera de medo, não somente na América, mas ao redor do mundo, é a maior tragédia de todas. Eu sou completamente contrária a quase todas as políticas do governo Bush. Acho que eles vêm cometendo crimes contra o meio ambiente, abandonaram Nova Orleans e tentaram reparar essa situação de maneira patética. Além disso, ocuparam o Iraque ilegalmente e faço questão de ressaltar que isso não é uma guerra, é uma ocupação. As tropas iraquianas não têm condições de enfrentar uma guerra contra os EUA. Os bombardeios israelenses no Líbano, para mim, são outro terrível evento que os EUA não fizeram nada para impedir. Acho que as pessoas têm de se unir e criar um movimento anti-guerra mundial, senão todos os governos irão continuar usando eventos como o 11 de Setembro e o medo do terrorismo para nos transformar em ovelhas pacatas.

Aqui em Curitiba, você toca na mesma noite que as bandas Yeah Yeah Yeahs e Beastie Boys, ambas de Nova Iorque. Você costuma acompanhar a nova cena de bandas de rock? O que costuma escutar em casa?

Eu não conheço o Yeah Yeah Yeahs. Mas conheço os Beastie Boys e sou amiga do Adam (Yauch). É engraçado, sinto-me emocionalmente simpática a todas as bandas novas. Especialmente às de garagem. Minhas bandas favoritas são aquelas formadas por garotos ou garotas que fazem música porque amam tocar. Quando comecei nos anos 70, época em que o punk rock emergiu, a idéia era produzir música que não fosse tão materialista, tão baseada num estilo de vida de limusines, drogas e rios de dinheiro. A gente estava mais preocupado com nossos ideais políticos, com a música e com a possibilidade de as pessoas tocarem o rock-n-roll com suas próprias mãos. O rock sempre foi uma arte do povo. Qualquer pessoa pode unir dois acordes e criar uma canção. Foi um formato revolucionário na América no final dos anos 50. E você sabe, materialismo e revolução não se misturam. Por isso, são as bandas pequenas, de garagem, que tocam por amor, as responsáveis por manter vivo o espírito do rock. Quanto ao tipo de música que escuto em casa, talvez as pessoas fiquem surpresas. Escuto muita ópera. Também gosto muito de John Coltrane, ouço bastante jazz e tenho tendência a ouvir música clássica.

Você costuma enfatizar que é uma artista, não uma mulher. Até que ponto acredita que uma coisa pode atrapalhar a outra?

Não gosto de impor gêneros ao meu trabalho, simplesmente porque acho algo limitante. As pessoas não dizem que o Picasso era um artista masculino, dizem apenas que ele era um artista. Tenho orgulho de ser mulher, sou mãe, tenho dois filhos crescidos, é importante para mim respeitar os aspectos do meu gênero. Mas, como artista, não quero ficar confinada a ele. Prefiro pensar em mim mesma como uma humanista. Essa é minha resposta quando alguém vem dizer que eu deveria lutar mais pelos direitos das mulheres. Eu sou mãe, tenho um filho e uma filha. Vou lutar pelos direitos de quem? Dos dois, é claro. Por isso, tenho uma visão mais humanista das coisas e acredito que se todos nós passássemos a ver as coisas sob este prisma, seríamos forçados a nos preocupar com os direitos de todos, masculinos e femininos.

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