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Dá até para fazer uma aposta. Não importa o que se diga aqui ou em qualquer outro jornal sobre "A Bruxa de Portobello" (Planeta, 296 págs., R$ 19,90), o livro deve aparecer instantaneamente nas listas de mais vendidos e ficar lá por semanas, talvez meses, justificando a tática de guerra empreendida pela editora – destaque para a reedição de dez títulos e mais a divulgação antecipada de um terço do texto integral na internet. Por quê? Duas palavras: Paulo Coelho.

A história é formada por depoimentos transcritos por um narrador que não se apresenta, fala por 11 linhas no início da narrativa e reaparece a cinco páginas do final – quando se descobre a relação dele com a protagonista, Sherine Kalil, a bruxa do título. Mais tarde ela passa a usar o nome de Athena, inspirado na deusa da sabedoria, inteligência e guerra.

Opinião do autor

O narrador justifica a opção por transcrever os depoimentos acerca da bruxa porque, em biografias, "a opinião do autor a respeito do personagem principal termina influenciando o resultado das pesquisas". O livro então relaciona as experiências de várias pessoas que tiveram algum tipo de contato com Athena, da mãe Samira à numeróloga Lella Zainab. Cada capítulo traz o nome, a idade e a ocupação de cada testemunha, como em "Deidre O'Neill, 37 anos, médica, conhecida como Edda".

A ação se alterna entre pelo menos uma dezena de personagens-narradores, mas não há muita distinção entre os modos de falar. Dessa forma, a voz do jornalista Heron Ryan se parece muito com a da atriz Andrea McCain que, por sua vez, lembra a de Edda. Várias figuras do livro, por exemplo, lançam mão de metáforas ligadas à água.

Andrea se refere à vida como um "mar desconhecido". Heron diz que Athena "procurou a morte como um náufrago procura uma ilha". Em outro trecho, ele conta que "a dúvida, ao invés de me paralisar, me empurrou em direção a oceanos que eu não podia admitir que existiam". Na seqüência, aparecem lagos (de alegria e serenidade) e rios (de luz).

Paulo Coelho fascina. Por quê?

Muitos tentaram explicar o fascínio que Paulo Coelho, de 59 anos, exerce sobre o público. Lendo "A Bruxa de Portobello", algumas impressões são inevitáveis. Ele se utiliza de temas espiritualistas e místicos para narrar a história de uma mulher talentosa e incompreendida. Dizer que Athena é um alter ego do autor talvez seja previsível demais, mas óbvio é uma das palavras que poderiam definir o livro. Patético (ao apelar para sentimentos) e simplista (ao dar lições de moral) são outras duas.

Por meio de um número de lugares-comuns grande demais para ser tolerado, Coelho distribui frases que seriam ruins até em biscoitos da sorte: "Ninguém acende uma lâmpada para escondê-la atrás da porta", "Se existe algum consolo em perder alguém que amamos tanto, é a esperança, sempre necessária, de que talvez tenha sido melhor assim", "Podemos enxergar o Divino em cada grão de poeira, e isso não nos impede de afastá-lo com uma esponja molhada" e "Nosso tempo nessa terra é sagrado, e devemos celebrar cada momento".

Novo editora

O novo trabalho do mago imortal, dono da cadeira 21 na Academia Brasileira de Letras – ocupada antes por Dias Gomes – marca a estréia do autor na Editora Planeta, responsável pela publicação de seus livros em toda a América Latina, mais Espanha, Portugal e EUA (faltava apenas o Brasil).

A editora não divulga a tiragem inicial da obra, mas, para se ter uma idéia da sua influência no mercado, só a rede de Livrarias Curitiba, com lojas em cinco cidades, pediu 10 mil unidades.

São tantas as lições que Coelho tem a passar e sua prosa é de tal forma influenciada por questões de fé ("A Bruxa de Portobello" abre com a frase "Oh, Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós. Amém") que é difícil considerar o livro um romance. Ele poderia ser estudado como um fenômeno sociológico.

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