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John Wray foi eleito pela revista Granta como um dos mais importantes romancistas norte-americanos da nova geração | Jerry Bauer/Divulgação.
John Wray foi eleito pela revista Granta como um dos mais importantes romancistas norte-americanos da nova geração| Foto: Jerry Bauer/Divulgação.

Perfil

Saiba mais sobre a trajetória de John Wray:

O escritor

Nasceu em Washington em 1971, e atualmente vive em Nova York. Ele já escreveu outros dois romances, Canaan’s Tongue e The Right Hand of Sleep, ambos inéditos no Brasil. Lowboy (Afluentes do Rio Silencioso) está sendo aplaudido por toda a crítica norte-americana.

Ritmo perfeito

Na The New York Review of Books, Lowboy recebeu as seguintes palavras: "Um romance meticulosamente bem construído (...) em torno de um enredo preciso, de ritmo perfeito."

Sensível

"Afluentes do Rio Silencioso é um romance excepcionalmente sensível (...) John Wray é um jovem escritor ousado e de grande talento." Apreciação da The New Yorker.

A mente humana é um mistério que dificilmente será decifrado por completo. Às 15h31, é possível estar lembrando de Pirapora e, 60 segundos depois, seguir para lá de Marrakech ou Marte. Meditação, mantras, rezas e eventuais silêncios interiores não conseguem, para o bem ou para o mal, esvaziar o que se passa no imaginário de um homem. O que pode acontecer dentro da cabeça de um ser humano é um dos pressupostos do romance Lowboy, traduzido no Brasil pela escritora e jornalista Vanessa Barbara como Afluentes do Rio Silencioso, do escritor norte-americano John Wray.

Lowboy é o apelido do protagonista, William Heller, um sujeito de 16 anos que sofre de esquizofrenia. A longa narrativa, com 299 páginas na edição brasileira, é um fluxo contínuo, interrompido apenas pela alternância de fragmentos, ora com o personagem central, ora com os secundários. Lowboy é onipresente no texto: até quando não está em cena, outras vozes estão a falar sobre ele. O protagonista não para e, mesmo quando o seu corpo não se move, ele segue em movimento dentro de algum vagão pelo metrô de Nova York.

Tudo no romance foi minuciosamente pensado, e isso fica evidente logo nas primeiras páginas. A começar pelo cenário. Afluentes do Rio Silencioso flui abaixo da superfície (no metrô). Isso não é aleatório: trata-se de uma metáfora para o imaginário. Os "afluentes" seguem, mesmo quietos, enquanto o rio, o pensamento principal, acontece; mas o que está submerso, no inconsciente, pode aflorar – e, em geral, aflora.

O apelido do protagonista aponta para algumas possibilidades de leitura. Ele é Lowboy por que, antes de tudo, é lento (slow). Low é baixo, e esse personagem está, durante a maior parte da narrativa, abaixo do nível das ruas, tentando fugir dos outros e, principalmente, de si mesmo.

Lowboy anda, caminha, sobe e desce de vagões, porque está sendo perseguido por alguns seguranças, por um detetive e por sua mãe, também esquizofrênica. O protagonista fugiu de um hospital, para onde não pretende voltar. Nunca mais.

Cada novo passo parece abrir, para Lowboy, um novo círculo infernal, e essa é uma referência, direta e intencional, à Divina Comédia, o clássico de Dante Alighieri. O narrador também estabelece um diálogo com Alice, de Lewis Carroll – e o fato de Lowboy estar em meio a um túnel, que simula uma passagem secreta que pode dar acesso a um outro mundo, o aproxima, em alguma medida, da enigmática personagem criada por Carroll.

Há, sobretudo, uma conversa literária com Ulisses, de James Joyce, uma vez que Afluentes do Rio Silencioso acontece, como o clássico joyciano, durante um único dia.

Lowboy, apesar de se esconder, declara que o seu objetivo é salvar o mundo, ao mesmo tempo em que ele empreende não pouco esforço para deixar de ser virgem. O protagonista perde a virgindade e, se ele salva ou não o mundo, não cabe na resenha, até para não atrapalhar o prazer da leitura de quem ainda não leu mas pretende fruir essa obra de Wray.

O impasse maior do personagem-centro é a incapacidade de se comunicar. Então, e devido a esse problema, a narrativa apresenta recriações literárias dessas fragilidades de quem sofre de esquizofrenia: há frases propositalmente sem vírgulas, perguntas sem respostas e situações que têm a finalidade de mostrar co­­mo pode ser a mente de um es­­quizofrênico. Lowboy, em situações tensas, escuta a nota dó seguida da nota lá, como se fosse um apito melódico avisando que o perigo está próximo.

Curioso é que, desde o começo, o leitor tende a se sentir próximo do anti-herói, apesar de a narrativa não ser em primeira pessoa (estratégia que costuma aproximar ainda mais quem lê do protagonista-narrador). Afluentes do Rio Silencioso foi elaborado em terceira pessoa e, mesmo assim, proporciona uma conexão intensa entre quem está com o livro nas mãos e o universo peculiar de um personagem complexo, apresentado por um texto de fácil compreensão, que sugere uma contagem regressiva: parece que o Apocalipse de Lowboy coincidirá com o ponto final do romance. GGG

Serviço:Afluentes do Rio Silencioso. John Wray. Companhia das Letras. 299 págs. R$ 48,50. Romance.

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