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São Paulo (Folhapress) – O documentarista e crítico de cinema da revista Time Richard Schickel queria revalorizar a filmografia de Elia Kazan – o diretor de obras-primas como Uma Rua Chamada Pecado (51), Sindicato de Ladrões (54) e Vidas Amargas (55). Mas Elia Kazan – A Biography (HarperCollins, 544 págs., US$ 29,95, R$ 70), que acaba de sair nos EUA, rapidamente tornou-se um novo e enfático libelo político em defesa de Kazan (1909-2003).

Não que a obra não merecesse. Kazan foi um dos fundadores do Group Theatre e do Actors Studio, berçários dos melhores talentos do cinema e do teatro norte-americanos do século 20. Com o método Stanislavski, foi um dos introdutores do "realismo emocional" que dominou largamente, a partir dos anos 40 e 50, a forma de atuação nos EUA.

Com as mortes de Kazan, há dois anos, e de Marlon Brando, no ano passado (outro aluno famoso do Studio, ao lado de Marilyn Monroe, James Dean, Al Pacino, Robert de Niro etc.), é uma parte da história do cinema que se foi. Mas foi inevitável. O que realmente atrai na biografia escrita por Schickel é a personalidade controversa e misantropa de Kazan – para muitos, "o mais polêmico" diretor que Hollywood já conheceu. Mais especificamente, o episódio da sua participação na "caça às bruxas" macarthista – tendo delatado colegas na Comissão de Atividades Anti-Americanas, em 1952. Schickel foi um dos grandes defensores de Kazan em 1999, quando o diretor recebeu um Oscar honorário pela carreira. Não foi o único, mas talvez tenha sido a voz mais influente na imprensa a defendê-lo. É sobre a "persona" Kazan e seu legado que Schickel falou à Folha de Los Angeles, onde mora.

A Life, livro lançado por Elia Kazan no final dos anos 80, é considerado por muitos a melhor autobiografia já escrita no showbiz. Isso não atrapalhou seu livro?

Uma autobiografia é muito diferente de uma biografia. Achei que era muito apropriado. Uma autobiografia é um relato muito subjetivo de uma vida. A biografia é um relato objetivo. Podemos escrever muitas coisas que a própria pessoa provavelmente não gostaria de lidar.

Por que Kazan merecia uma nova biografia?

Eu conhecia Kazan. Tinha gravado uma entrevista longa e exclusiva com ele nos anos 90. Havia muitos pontos que ele não tinha explorado em sua autobiografia. Achei que meu relato poderia avançar muito: filmes que fez, atores que dirigiu, pessoas que conhecia, mas que não citou em seu livro. E havia as anotações que fez para todos os filmes que dirigiu. Todo esse material não foi utilizado na autobiografia.

A acusação de delatar colegas na época do macarthismo marcou a carreira de Kazan. Mesmo quando ele recebeu o Oscar especial, em 99, ainda havia vozes críticas. Como ele via essa "mácula"?Ele ficou feliz em receber esse Oscar. Esperava mais controvérsia do que de fato ocorreu. Falei com ele logo depois da cerimônia de premiação, ele parecia alegre e aliviado.

Para ele o episódio estava definitivamente superado?

Acho que sim. Ele me falou: "Até que ninguém me vaiou...". Isso era típico dele. Precisamos levar em conta que Kazan era uma pessoa que defendia muito seus princípios e seus amigos. Ele fez o que fez e nunca sentiu necessidade de pedir desculpas. Pode ter tido seus arrependimentos secretos, mas nunca admitiria. Fez o que achou correto e enfrentou as conseqüências. Foi uma das coisas que me atraíram nele. Gosto disso. Não processou ninguém, não ficou refém da situação. São boas qualidades.

Kazan foi uma figura-chave no Group Theatre, no Actors Studio e na adoção do método Stanislavski. Seu legado é reconhecido?

Acho que a repercussão do meu livro mostra que seu papel é reconhecido. Foi um dos líderes em criar um novo estilo de atuação que realmente mudou a forma como vemos os filmes e as peças e como os interpretamos. Acho que meu livro mostra essa importância.

Ele ainda influencia o cinema e o teatro americanos?

Atualmente, os atores – quer trabalhem no teatro quer, no cinema- atuam muito mais na forma "kazaniana" do que antes. Praticamente todo ator dos EUA, de uma maneira ou de outra, é um herdeiro do método Stanislavski, que estabeleceu uma maneira de atuar nos EUA.

Até hoje?

Sim. Não importa se são bonitos ou sexy. Atores e atrizes continuam seguindo a mesma tradição, as idéias de Stanislavski.

A indústria do cinema tem uma dívida com Kazan?

Dívida eu não sei. Nos anos 40 e 50, foi um dos diretores mais importantes. Fez alguns longas que provocaram um impacto permanente na história do cinema. Sindicato de Ladrões (54) é um exemplo. Mas há vários outros que são quase tão bons. Um Rosto na Multidão (57), Laços Humanos (45), Rio Violento (60) – que é o meu preferido – , são títulos que entraram para a história do cinema. Não sei. Temos uma memória muito curta para a história do cinema nesse país. Certamente, se pensarmos nos diretores mais importantes da história, ele é um dos nomes.

Há espaço para diretores como Kazan hoje?

Há diretores fazendo grandes filmes hoje. Martin Scorsese, Clint Eastwood e Steven Spielberg estão tentando fazer um trabalho muito bom e sério. Não é fácil atualmente porque há muito mais pressão e muito mais sucessos de bilheteria, mas acho que ainda é possível fazer um bom trabalho no cinema comercial. É apenas mais difícil e há um número menor de grandes nomes.

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