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Parati (RJ) – Era inevitável. Não se organiza um evento com Tariq Ali e Christopher Hitchens livre de polêmicas e vaias. Os dois debates de que cada um participou durante a 4.ª Festa Literária de Parati (Flip) teve bastante de ambas. Ninguém foi ousado a ponto de colocá-los frente a frente. Suas idéias são, para dizer o mínimo, opostas.

O impacto das reações geradas pelos dois escritores ainda eram objeto de discussão ontem, o último dia da Flip. O britânico Hitchens sentou-se ao lado do político e intelectual Fernando Gabeira para discutir o tema "Profissão Repórter: Na Linha de Frente". Que foi, na verdade, completamente ignorado.

Durante todo o debate, Hitchens (Amor, Pobreza e Guerra) foi levado a falar sobre suas posições políticas pouco convencionais. Trocando em miúdos, ele acredita (e "tem documentos para provar", costuma dizer) que os EUA fazem um bem à humanidade por investir na Guerra do Iraque, que entende como uma forma de impedir o avanço de fanáticos religiosos e ditadores lunáticos sobre a democracia.

O brasileiro procurou contrariar Hitchens, mas não o fez com ênfase suficiente. Usando o plural majestático – algo que a retórica política usa bastante –, ele disse que "nós não pensamos dessa forma", "nós achamos que a paz é possível" e coisas assim. As primeiras vaias foram tímidas e ignoradas pelo britânico.

Vendo que a platéia estava meio apática e aplaudia todas as suas falas e também as de Gabeira – uma constante em todas as mesas, considerada por muitos um inconveniente –, Hitchens passou a criticar a postura anti-americana com mais ênfase. Quando, enfim, as vaias vieram a toda força, ele dizia apenas "Obrigado! Obrigado!".

Intervenções questionavam se a postura do presidente americano George W. Bush não é igualmente lunática e ditatorial. "Essa é uma pergunta idiota. A pessoa que a fez é ingênua, não sabe o que está dizendo e eu não vou respondê-la", replicou o britânico, famoso em Parati pelos seus excessos alcoólicos. Durante um encontro entre escritores e editores, enquanto o garçom passava por ele equilibrando duas garrafas de uísque sobre uma bandeja, ele dizia "Que país adorável!".

No meio de sua apresentação, o escritor brasileiro de origem libanesa Milton Hatoum levantou, parecendo irritado, e deixou a Tenda da Matriz. "Ele é um clown, o palhaço da festa", comentou mais tarde.

Tariq Ali (Redenção), não apenas em sua mesa, ocorrida na sexta-feira, mas também nas entrevistas, nas rodas de conversa e em encontros casuais pelo saguão do hotel, jamais abandonou o tom político em suas falas. A Flip, para ele, foi uma espécie de palanque.

Apesar de não ter lido a matéria da revista Veja que o chamou de "O perfeito idiota paquistanês", Ali respondeu com um dar de ombros e voltou ao discurso que defende há anos em vários eventos pelo mundo – inclusive no Brasil, por onde já passou outras vezes. "Toda voz dissonante do governo de Bush júnior é vista como terrorismo", reclama Ali. Na sua opinião, é preciso resistir à pressão americana e lutar por outras formas de se pensar o mundo.

Um dos momentos mais aplaudidos da Flip 2006 aconteceu na noite de sábado, quando o judeu americano Jonathan Safran Foer (Extremamente Alto & Incrivelmente Perto), participando da mesa com a escocesa Ali Smith, lamentou que se tenha perdido tempo discutindo questões políticas em um evento literário onde é possível ver crianças lendo em uma praça. Ele se refere à Flipinha. Por quatro dias, milhares de alunos de 37 escolas vieram ao centro histórico para ler e ouvir histórias.

Debaixo dos aplausos, Safran Foer disse que nunca viu nem ouviu falar de nada parecido em nenhum lugar do mundo.

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