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Adichie: “Todas as famílias são disfuncionais, apenas em graus diferentes” | Okie Adichie/Divulgação
Adichie: “Todas as famílias são disfuncionais, apenas em graus diferentes”| Foto: Okie Adichie/Divulgação

A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie ganhou fama internacional em 2006, com o romance Meio Sol Amarelo, um best seller sobre a guerra fratricida entre as tribos da Nigéria que culminou na formação do estado de Biafra, território que existiu como país durante três anos no final da década de 60. Com mais de 500 mil exemplares vendidos em língua inglesa e a conquista do Orange Prize – uma das principais premiações para novos autores de ficção – Meio Sol Amarelo colocou em evidência a força da voz de Chimamanda para traçar com realismo e proximidade romances africanos que têm como pano de fundo a situação política de seu país, cujos conflitos têm implicações diretas em famílias disfuncionais.Antes, porém, do livro que lhe deu notoriedade, a autora lançou, em 2003, o romance Hibisco Roxo, publicado pela primeira vez no Brasil neste ano. O livro tem como tema central o fundamentalismo religioso de Papa, um próspero empresário e patriarca que impõe rigidamente a fé católica ao resto de sua família, criando uma situação de tácita e instável tensão. O pano de fundo político, no entanto, não ficou de fora: a história é situada no começo dos anos 90, quando o general Sani Abacha tomou o poder e cancelou o que seriam as primeiras eleições democráticas do país.

Para Chimamanda, não há como escrever um romance nigeriano honesto e realista sem falar de política. "A política, na Nigéria, não é algo que se mantém distante dos cidadãos. Ela reflete diretamente na falta de pão para comprar, na falta de combustível para abastecer os carros, no fato de você ser silenciado por falar sobre ela", afirma em uma entrevista concedida por e-mail com exclusividade à Gazeta do Povo.

Em Hibisco Roxo, mais do que o choque entre igbos, hauçás, fulas e yorubás – principais tribos da Nigéria – o embate entre culturas religiosas é também uma divisora de famílias. O livro, narrado sob a ótica de Kambili, filha do rígido Papa, mostra o drama de parentes apartados por divergências de credo. "A Nigéria é um país incrivelmente religioso. Enquanto cresce, no norte, o fundamentalismo islâmico, no sul o fundamentalismo católico predomina", explica.

A escritora conta que, assim como Kambili, ela também testemunhou, do ponto de vista de uma criança criada em um lar moderadamente católico, as expressões da cultura igbo. "Visitávamos a cidade natal dos nossos ancestrais e lá eu tinha contato com alguns parentes distantes que se recusavam à conversão do catolicismo e mantinham-se firmes às tradições".

As situações narradas em Hibisco Roxo, porém, não podem ser generalizadas ou estendidas a qualquer conflito religioso ou étnico fora da Nigéria, e Chimamanda ressalta que seus romances obedecem comportamentos e temáticas típicas de seus conterrâneos. "Não gosto de qualquer generalização a respeito do continente africano. Mesmo a África subsaariana, que tem muitos aspectos em comum entre os países, possui vastas divergências culturais e históricas".

Por fim, sobre o gosto da escritora em retratar famílias disfuncionais como a de Hibisco Roxo, ela comenta, bem-humorada: "Famílias problemáticas são mais interessantes do que famílias felizes, e eu acho que todas as famílias são disfuncionais, apenas em graus diferentes".

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