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Neguette foi um guerreiro e quis continuar em campo mesmo machucado, mas técnico Lori Sandri não deixou | Antônio Costa / Gazeta do Povo
Neguette foi um guerreiro e quis continuar em campo mesmo machucado, mas técnico Lori Sandri não deixou| Foto: Antônio Costa / Gazeta do Povo

A fachada de uma é azul-bebê, com detalhes brancos e amarelos. Parece uma casa de bonecas. A outra é um sobrado que lembra uma caçamba de caminhão fincada no chão, pintada de azul-claro, amarelo e vermelho – como se o desenho de uma criança tivesse servido de projeto para a construção.

As duas residências foram fotografadas na periferia do Rio de Janeiro e incluídas em Arquitetura Kitsch Suburbana e Rural, livro de Dinah Guimaraens e Lauro Cavalcanti que acaba de ganhar uma terceira edição pela Paz e Terra, com nova introdução.

Lançada em 1978, a obra conseguiu transcender o universo da arquitetura para falar com todos os leitores interessados na proposta dos autores – na época, estudantes universitários.

"O livro fala de uma estética tipicamente brasileira, das cores e das formas da nossa arquitetura tropical, logo ele pode ser lido por todas as classes sociais e por não-especialistas, inclusive", afirma Dinah Guimaraens, em entrevista por e-mail.

Citando o lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1857 – 1913), ela destaca a possibilidade de a linguagem escrita assumir uma autonomia em relação ao leitor, por ser capaz de revelar algo novo. "Então acredito que a Arquitetura Kitsch... encontra uma ressonância profunda na identidade nacional e nas culturas locais de todo o país, embora tendo-se limitado a abordar as construções vernaculares (feita sem arquitetos) do estado do Rio de Janeiro". Dinah e Cavalcanti estarão na Bienal do Rio na semana que vem para falar sobre o seu trabalho.

"O livro se originou a partir do desejo de criar um antídoto contra o desânimo que o ensino e a realidade profissional projetavam sobre a nossa geração", escreve Cavalcanti na introdução à terceira edição. Ele explica que, nos anos 70, havia duas possibilidades para quem se dedicava à arquitetura. Os conformados trabalhavam em especulação imobiliária e os indignados partiam para o planejamento urbano. "A arquitetura era um mundo paralelo de papel vegetal", diz.

Para Dinah, o livro, prestes a completar 30 anos, envelheceu "com força" sobretudo por refletir as inquietações estéticas do movimento de vanguarda tropicalista que, nas suas palavras, continua extremamente atual. "Vide a mostra Tropicália em exibição no Museu de Arte Moderna do Rio."

A fim de dialogar com as idéias e práticas de Hélio Oiticica, de Décio Pignatari, dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e de Lygia Pape, os autores buscaram uma abordagem "não-populista do popular".

Arquitetura Kitsch... representou a incorporação de uma postura tropicalista e contracultural à arquitetura brasileira. "O livro buscava trazer para o universo da teoria arquitetônica noções de inter e transdisciplinaridade. Percebíamos que as estruturas coloridas, descartadas como de mau gosto pela maioria, apresentavam soluções inovadoras e significados simbólicos interessantes de serem contrapostos à tímida arquitetura vigente que só contemplava o aspecto funcional. Interessava-nos, também, discutir a própria noção de gosto", explica Cavalcanti.

Quase três décadas se passaram e o kitsch ainda segue firme na arquitetura brasileira. "Ela está viva nos subúrbios e nas periferias dos grandes centros urbanos. Um sinal de sua pujança é o ‘neo-kitsch’, que incorpora em sua estética elementos novo-ricos como o estilo ‘colonioso’, o vidro blindex fumé, o alumínio, estátuas gregas nos jardins e o uso indiscriminado de ladrilhos hidráulicos nas fachadas e nos interiores das moradias".

A arquiteta comenta também que as manifestações de "não-arquitetura" ainda são detonadas pelas classes dominantes. "Por exemplo, todo indivíduo das classes médias cariocas quer morar em prédios altos, mas quando os moradores da Rocinha constroem 11 andares no alto da favela, isto é visto como absurdo. Logo, como diria Baudrillard (filósofo e sociólogo francês), se ‘a verdade é o ponto de vista do vencedor’, a estética kitsch e popular pode ser vista em certos momentos como cult, sem no entanto ser unanimemente aceita e fruída sem preconceitos", finaliza.

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Serviço: Arquitetura Kitsch Suburbana e Rural, de Dinah Guimaraens e Lauro Cavalcanti (Paz e Terra, 144 págs., R$ 33,50).

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