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José Pacheco: muita gente na plateia, risos, emoção incontida e cansaço declarado diante do que não muda nas escolas | Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo
José Pacheco: muita gente na plateia, risos, emoção incontida e cansaço declarado diante do que não muda nas escolas| Foto: Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo

"Desassossegos"

Confira trechos do encontro com José Pacheco, no qual dividiu o palco com Samuel Lago e com o deputado federal Marcelo Almeida (PMDB-PR), criador do projeto de leitura Conversa entre Amigos

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O educador português José Pacheco, 62 anos, rodou "meio mundo", como diz, para falar da "praga" da Escola da Ponte – como também diz. A brincadeira inesperada arranca gargalhadas das plateias às quais fala, invariavelmente lotadas de professores e tietes. Nem sempre "toda a gente entende" o gracejo. Pudera.

A escola de Vila das Aves, região do Porto, Norte de Portugal, ficou famosa por abolir a maior parte dos cânones educacionais – dos currículos aos planos de aprendizagem, passando pelas paredes que separam as turmas por séries e idades. Virou sinônimo de educação visionária. "José da Ponte", o responsável pelo feito, chegou lá aos 25 anos, em 1976 – saiu tendo passado dos 50, já consagrado como um educador com lugar reservado nos anais da história. E isso visivelmente o incomoda. Daí o "praga", dito para escândalo e desconforto dos que querem taxidermizá-lo.

Há 12 anos fora de Vila das Aves, José Pacheco não parou de criar outras Escolas da Ponte, cada uma a seu modo, sempre "com" e não "para" os alunos, como gosta de frisar. Não está deitado em berço esplêndido. Se querem ver seus olhos vesgos quase saltarem da cara basta tratá-lo como um vendedor de franquias ou de modelos escolares – "Pontes para todos os gostos". Nessas horas, seu doce humor lusitano pode se tornar azedume.

Apenas no Brasil, o educador acompanha pelo menos uma centena de escolas, cujos nomes não cita nem sob tortura. Teme provocar ciúme entre professores e prefere não arriscar perder o vinho bom. Mas não se furta falar de uma dessas instituições, onde hoje passa até três dias por semana. Chama-se Âncora. É um projeto. Fica na região de Cotia, Grande São Paulo e abriga aqueles alunos que nenhuma outra escola da região queria, a maior parte oriunda de favelas.

O lugar funciona em volta de uma tenda de circo – e é uma das sete iniciativas educacionais invulgares a fazer parte do documentário Quando Eu Sinto Que Já Sei, de Antônio Sagrado Lovato, com estreia até o final deste ano. José Pacheco – sempre convidado a falar da Ponte – quer falar de Âncora. E do Brasil, um país que trata como seu.

Não à toa, o português adotou como sua linguagem o gênero mais popular entre os brasileiros – a crônica. Tem material para três livros, com textos nascidos no calor da experiência, escola após escola com a qual toma contato. O país pede contação de histórias. A primeira coletânea – Denunciar e Anunciar, organizada pelo editor Samuel Lago – acaba de ser lançada pela editora paranaense Nossa Cultura. Tem o frescor das falas de Pacheco. Texto a texto, reafirma o verbo desaprender, um dos conceitos que mais martela mesmo quando fala de Piaget, Vigotsky e outros fósseis, como os chama, para provocar.

No lançamento em Curitiba, na última quinta-feira, 8, como de praxe Pacheco atraiu uma plateia de professores. Mas quem viu o educador de outras vezes percebeu uma pequena mudança. O contido homenzinho que "desassossegou" os docentes de Vila das Aves na década de 1970, chorou a falar do garoto Maicon – um dos muitos Maicons que conheceu em Cotia. E adotou um tom quase profético ao tratar da lentidão do ensino em mudar. "Até quando?", protestou.

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