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Guto Silva (à esq.) explica ao grupo seu próprio grafite, inspirado no livro Eram os Deuses Astronautas? | Luis Corvini/Divulgação
Guto Silva (à esq.) explica ao grupo seu próprio grafite, inspirado no livro Eram os Deuses Astronautas?| Foto: Luis Corvini/Divulgação

"Você pode gostar ou não. Mas reconheça que ele existe." Essa é a filosofia do professor de Artes Guto Silva em relação ao grafite, e motivo pelo qual ele propôs o projeto Galeria Itinerante ao Sesc-SP: levar o público do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (FIT) para conhecer os principais pontos de arte em muros da cidade, no norte paulista.

Com um ônibus escolar da prefeitura, o grupo sai da Secretaria Municipal da Cultura em direção ao sul de São José, que tem pouco mais de 400 mil habitantes. No caminho, um animado e espontâneo Guto não só aponta os desenhos mais interessantes, como também revela as "crews", ou grupo de grafiteiros por trás de cada obra. Como num modelo de aula que todo estudante gostaria de ter, ele explica o surgimento das manifestações de pintura de rua, nos EUA, inseridas no movimento negro no fim dos anos 1960. "Começaram com a pichação de palavras de ordem, e aquelas letras foram evoluindo", conta.

Em um muro repleto de desenhos de autores diferentes, ele aponta para o uso da tinta látex como especificidade brasileira. "Esse é o grafite de terceiro mundo, porque aqui a lata de spray sai caro." Um unidade custa em torno de R$ 13, dinheiro que sai do bolso de artistas como Edson (os grafiteiros nunca assinam o sobrenome), que tem um traço firme e consegue fazer bonecos de pernas fininhas – segundo Guto, essa é uma técnica avançada, que se consegue entupindo o bico da lata.

Muitas das pinturas mostradas pelo professor estão em espaços cujos donos autorizaram a grafitagem. Atrás de uma unidade do Sesc, fica um painel em um muro comprido, onde, em 2008, os grafiteiros da cidade, como Mister e as crews ART 165 (referente ao artigo do código penal pelo qual um grafiteiro pode ser preso), e SMD (Só Moleque Doido) foram convidados a deixar suas marcas. Entre eles, desenhos de Thiago Hattnher, cujo traço melancólico já é conhecido nas ruas de São Paulo.

Quando vê exemplares tortos e malfeitos, Guto, de 25 anos, se desmancha paternalmente e alerta para a necessidade de valorizar quem está começando, já que dominar a técnica de forma a "fazer com o spray o que se quer" leva tempo.

Som na caixa

Seguindo o conceito contemporâneo de que museu precisa ser interativo, Guto leva em mãos um pequeno tocador de MP3 do qual extrai trilhas sonoras que se relacionam com o que está explicando. Quando fala do surgimento do grafite norte-americano dentro do contexto do hip-hop, toca Grandmaster Flash, a quem é atribuída a invenção do scratch, (som de agulha arranhando o disco), usado pelos DJs.

Ao falar do Brasil, onde alunos da USP fizeram evoluir a pichação nos anos 1970, e do maior acesso a tintas e revistas de grafite nos anos 1980 e 1990, solta Beastie Boys e Public Enemy.

Debaixo de um sol de rachar, amenizado por um ventinho gelado que lembra o de Curitiba, o grupo desce e observa desenhos do próprio Guto, inspirados no livro Eram os Deuses Astronautas?, de Erich von Daniken. Os personagens parecem um misto de esfinges egípcias com alienígenas.

Mais obras com essa referência estão num viaduto pelo qual o grupo passa em direção à zona norte – leia-se periferia. Ali, avisa Guto, é mais barra pesada, tem muita pichação (coisa que não se vê no resto da cidade), mas também exemplos de grafite.

Em cada um deles, ele destaca cores, formas e detalhes. Os tipos de letra merecem uma parada especial para explicar a diferença entre o "bomb", arredondado e preenchido com cor, e o "throw up", que, como o nome diz, é "vomitado" rapidamente no muro. Já o "wild style" é mais livre.

Se trabalha às pressas, muitas vezes na surdina, o grafiteiro precisa aceitar que seu desenho poderá ser degradado pelo sol e pela chuva e estará à mercê de pichações sobrepostas e até urina, pondera Guto.

Com um pé em cada mundo – no grafite e nas políticas públicas, com esse projeto que estreou no último sábado - Guto parece munido do melhor espírito das ruas. "Comecei a ver o próprio momento da grafitagem como uma performance", diz, encerrando uma das mais completas atividades deste FIT.

A repórter viajou a convite do FIT.

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