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O Malefício... é um dos espetáculos com pagamento voluntário | José Tezza/Divulgação
O Malefício... é um dos espetáculos com pagamento voluntário| Foto: José Tezza/Divulgação

Provocação

Peça pagou público que foi assisti-la

A adoção do ingresso sob contribuição espontânea não deixa de ser uma provocação dos grupos para com a sociedade. O pessoal do teatro, aliás, é exímio nesse tipo de coisa. Um caso recente foi protagonizado pela companhia de Marcos Damaceno, que estreou sua peça Para o Vampiro – Variações Nº 1 com uma inversão de valores: o espectador é quem recebia o valor do ingresso (R$ 4), com o devido desconto para estudantes, que levavam R$ 2.

"Houve pessoas que se ofenderam, pediam por favor para não receber, e deixavam o dinheiro no balcão", relembra Damaceno. Houve também estudante que quisesse receber inteira... numa operação semelhante à do não estudante que dá um jeitinho de pagar meia."

O grupo conta que desembolsou cerca de R$ 2 mil para "sustentar" seu público – dinheiro do bolso, e não do incentivo municipal recebido para a produção do espetáculo. "No fim, saiu mais barato que qualquer ação de mídia", conta o diretor.

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Se a moda pega, em breve o preço do ingresso de teatro cobrado por companhias locais sem subsídio governamental vai flutuar mais do que hoje, quando custa desde nada até R$ 40. O céu é o limite para grupos que enxergam no pagamento espontâneo uma maneira de responsabilizar o público pelo sustento da arte de que usufrui.

A Companhia dos Palhaços parece ter sido a primeira a implantar a ideia por aqui, no início do ano passado, e comemora a ampliação de seu público desde então.

"Antes, tinha dias em que não chegávamos a encher meia casa", relembra Rafael Barreiros, o Palhaço Alípio. "Agora, temos pelo menos meia casa, e às vezes lota." Ele considera muito positivo chamar esse público novo com a oferta do "pagamento consciente", já que, se preferir, a pessoa pode não pagar nada.

Como a chave dos espetáculos do grupo é a comédia, o pagamento também vira piada. Para começar, eles chamam o sistema de "tecnologia social do ingresso", ou TSI. Cada pessoa que entra recebe um envelope. Após o show de humor, os palhaços conversam sobre a cobrança, mantendo o mesmo clima. "É quase como passar o chapéu, que, aliás, é uma arte... não é pedir esmola, e sim explicar o valor daquilo. Acaba formando plateia, porque as pessoas não têm noção do trabalho que existe por trásde um espetáculo", explica Rafael.

Para não deixar o valor totalmente solto, é sugerido R$ 30 como entrada inteira. Depois do discurso, é comum que aqueles que pagam com trocados voltem em outra sessão com mais amigos. "Uma pessoa disse: ‘Olha, trouxe um amigo que pode pagar mais’", brinca Rafael.

O carpinteiro Helder dos Santos é um daqueles que pagam mais que o sugerido. "O que é engraçado para um não é para outro. [Essa forma de pagamento] evita certos comentários negativos depois do show." Ele revela que estabelece o quanto irá pagar por um raciocínio complexo. "Tem que avaliar quanto custaria no Guaíra ou outro teatro.... e ver se é um humor mais carregado, porque daí custa acima da média."

Ele acredita que o único fator constrangedor seria ter de pagar no guichê, diante de uma pessoa da companhia – método adotado pela companhia Ave Lola, que tem um radical slogan: "pague quanto vale". "Você dá oportunidade para o público que tem condições de contribuir com um valor mais justo do que o mercado estabelece, que é de R$ 20. É um valor que não dá sustentabilidade para espaços independentes", pontua a diretora Ana Rosa Tezza. Outro benefício apontado por ela é poder devolver para a sociedade civil a responsabilidade de manter o tipo de teatro em que as pessoas se veem representadas. "Não é só uma questão de gosto. É saber qual espaço faz a pessoa sonhar, desejar uma sociedade melhor, e colaborar de maneira concreta."

Quem aprovou a peça do grupo O Malefício da Mariposa e pagou mais que a média foi o jornalista e membro do Conselho Estadual de Cultura Victor Miranda, de Telêmaco Borba. "As pessoas se sentem até mais à vontade para contribuir. Mas seria bom ter um envelope para colocar ali quanto quiser, ou inclusive não contribuir." Ana justifica a escolha pelo pagamento às claras: "temos de acabar com a ideia de que não ter dinheiro é vergonhoso." A peça, em cartaz até outubro, teve custo de R$ 80 mil de produção, parcialmente coberto pelo Prêmio Piá.

Outro grupo que está experimentando o método, mas só às quintas-feiras, é o Delírio. A entrada para as peças que integram o projeto Operação Literatura, no qual serão apresentadas seis peças, custa R$ 20 a inteira de sexta-feira a domingo. "Vale a pena, por incrível que pareça", diz o diretor Edson Bueno, que encara a ideia como uma promoção a mais. Ele tem uma hipótese sobre como as pessoas decidem quanto dar: "elas dão a nota que tiverem na carteira. Em geral é de R$ 10 ou R$ 20, o que acaba sendo o mesmo que o valor cobrado nos outros dias."

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