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Filho de uma família em que os filhos têm nomes de figuras lapidares da história francesa, como Danton e Robespierre, Marat Descartes diz que nunca foi muito ligado em monólogos.

"Eu prefiro o jogo teatral", explica. Desistir da interação com outros atores no palco só seria possível em nome de algo "essencial".

Esse algo veio na forma de um livro. Primeiro Amor, de Samuel Beckett (1906 – 1989). A adaptação do texto, vencedora do Prêmio Shell 2007 de melhor ator, estréia hoje no Paiol, parte da Mostra Oficial do FTC.

Descartes viu o livro na casa de sua ex-mulher, que o provocou a ler. Escrito em primeira pessoa – o protagonista fala diretamente ao leitor –, o conto se desenrola como se fosse um monólogo.

"Associo, com ou sem razão, o meu casamento à morte de meu pai, em outros tempos", são as palavras iniciais do narrador. Descartes se rendeu. Ele próprio casou e teve de lidar com a morte do pai três meses depois de nascer sua filha, Ligia, hoje com seis anos. "O casamento não durou muito mais", lembra.

Ao ver o personagem de Beckett tratando de perdas – sejam mortes ou separações –, Descartes não conseguiu evitar a identificação. Como ator, sentiu a urgência de levar aquela história para o palco.

Várias peças do FTC deste ano discutem a solidão, a incomunicabilidade e a tarefa quase impossível de se manter relações estáveis – só na Mostra Oficial dá para listar A Refeição, Línguas Estranhas e Thom Pain – Lady Grey. E Primeiro Amor se encaixa no grupo.

"O mundo moderno nos engole. Não há tempo para trocas. É uma questão que está batendo nas pessoas", afirma Descartes. Nas discussões que teve com a diretora Georgette Fadel e a preparadora corporal Gisele Calazans, o ator questionava "O homem está fadado a não conseguir se relacionar?". Entre pactuar ou não com o texto de Beckett – usando-o como ponto de partida para uma adaptação livre –, a decisão veio da Les Éditions de Minuit, dona dos direitos da obra e famosa pelas dificuldades que impõe a qualquer um que deseja trabalhar com o autor irlandês.

Segundo Nobel de Literatura a figurar entre as principais montagens do FTC – o outro foi Eugene O’Neill, de Zona de Guerra –, Beckett escreveu Primeiro Amor também para explorar as limitações que sentia em relação à língua francesa.

Depois de uma semana negociando os direitos do romance, Descartes convenceu os franceses de que não mexeria em um "a" do texto, abrindo mão de rubricas e interferências, deixando-o ditar as ações da peça. Era um monólogo pronto.

O ator usou a tradução de Célia Euvaldo, editada pela Cosac Naify em 2004. "Não sou um estudioso de Beckett, mas a impressão que tenho é que ele era realmente cético, não acreditava em porra nenhuma", diz Descartes.

O monólogo tem algo de proeza física. Um ator sozinho debaixo do holofote, diante de uma multidão, desdobrando-se para contar uma história. O esforço físico, Descartes, 32 anos no dia 17 de maio, diz suportar bem. "Passo boa parte da peça sentado", conta, sem disfarçar o riso. O problema é o desgaste emocional. A purgação de sentimentos como revolta, amor e perplexidade. Tudo em pouco mais de 60 minutos.

Serviço: Primeiro Amor. Teatro Paiol (Pça. Guido Viaro, s/ n.º – Prado Velho), (41) 3213-1340. Ingressos a R$ 26 e R$ 13.

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