• Carregando...

São Paulo (Folhapress) – Uma das mais profundas inflexões do Brasil no século passado, a Revolução de 30 é objeto de extensa bibliografia. O evento, que marca o fim da República Velha e o ingresso do país num mundo que o levaria à modernidade, foi contado a partir de diversos recortes históricos, gerou teses acadêmicas divergentes, seus protagonistas ganharam biografias. Um novo livro sobre o tema precisaria, portanto, buscar um enfoque diferente para se justificar. Em 1930 – Os Órfãos da Revolução (Record, R$ 69,90; 770 págs.), Domingos Meirelles fez isso ao optar por um tratamento híbrido: baseado em extensa pesquisa, apresenta-a num formato que com freqüência se aproxima do romance.

Meirelles, autor de As Noites das Grandes Fogueiras – Uma História da Coluna Prestes, fez bem em retroceder só até 1927, no início do governo Washington Luís. A historiografia prefere começar em 1922, com o fracassado levante do Forte Copacabana, que deu visibilidade ao movimento tenentista, um dos componentes da heterogênea coalizão que derrubaria a oligarquia paulista e mineira que se revezava no poder. Os tenentes ainda provocariam uma guerra civil em São Paulo, em 1924, e percorreriam o país na Coluna Prestes, a partir do ano seguinte. É em 1927, porém, que passam a convergir as forças dispersas que se opõem ao regime.

Ao assumir, Washington Luís suspendeu o estado de sítio que vigorara durante quase todo o mandato de seu antecessor, Artur Bernardes. Causou a falsa impressão de que o ambiente político seria desanuviado. Aristocrata empedernido, Washington Luís não daria trégua ao movimento sindical e perseguiria o então incipiente Partido Comunista Brasileiro. Quantos aos tenentes, nunca saíram da mira do governo. Além disso, o presidente desrespeitou o acordo que sustentava a República Velha ao impor como sucessor um outro representante de São Paulo, Júlio Prestes. O descontentamento nas duas pontas da sociedade organizada daria origem à Aliança Liberal, com Getúlio Vargas como figura de proa.

Os órfãos a que se refere Meirelles são aqueles que, tendo acreditado na campanha moralizante dos tenentistas, não tiveram seus interesses contemplados pelo novo governo.

Cooptados por uma oligarquia dissidente, os tenentes, que nunca tiveram um ideário político claro, deixariam de lado a pauta que os aproximava da classe média. A idéia de órfãos da revolução não é nova, faz até eco à "revolução traída" de Hélio Silva. O autor, de qualquer maneira, não pretendeu apresentar uma tese. Seu interesse é recuperar uma história rica em acontecimentos.

A narração de muitos episódios secundários contribui para a construção do painel histórico e dá vida aos protagonistas. Oswaldo Aranha, o artífice da aliança, João Pessoa, cujo assassinato deflagrou a revolução, Luís Carlos Prestes, o herói que rejeitou o acordo com os civis, todos emergem como personagens de quem o leitor se sente próximo, embora o recurso da ficção, atribuindo a eles pensamentos não acessíveis, nem sempre funcione.

Várias passagens, porém, têm efeito inverso. Introduzem casos por vezes remotamente ligados à trama principal, turvando o foco da narrativa. A descrição da morte de Lênin, os detalhes do caso Sacco e Vanzetti ou a morte misteriosa de uma jovem e bonita marquesa italiana no Copacabana Palace, para citar poucos exemplos, são parênteses que, embora em si saborosos, comprometem a fluência do livro.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]