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O passado de cada humano pode ser apenas invenção, no máximo um reprocessar, quem sabe releitura. Palavras, então, talvez não passem de tentativas pouco eficientes que, por mais sejam ditas, escritas e mesmo gritadas, jamais venham a traduzir, de fato, o que ocorreu ou o que sentimos. Em Suíte 1, montagem da Companhia Brasileira de Teatro (a partir de texto original do dramaturgo francês Philippe Minyana), cinco atrizes (praticamente) colocam o único ator em cena contra a parede com a finalidade de extrair sinais a respeito de um fato significativo do seu passado. Mas esse homem, interpretado por Ranieri Gonzalez, não vai (facilmente) abrir o jogo. Ao contrário, tergiversará, acionando canções ou mudando o foco das conversas.

"Não quero falar sobre isso", é uma fala, resposta e mesmo defesa recorrente do personagem masculino. Nos quase 60 minutos do espetáculo, que retornou para breve temporada de quinta-feira (12) a domingo (15), no Teatro José Maria Santos, as vozes femininas – que são maioria –, quase se sobrepõem e, em meio a assuntos cotidianos, emitem pistas (falsas?) do que pode ter sido a experiência de cada uma delas com esse homem em outros passados. Não há certezas. Apenas insinuações. Se elas foram amantes dele? Não se pode afirmar. O que elas querem? Também não fica claro. E essa ausência de certeza, substituída por um chão que rui, é um dos elementos que caracteriza a proposta dramática, bem afinada com o zeitgeist (espírito do tempo), nesse pulsar em que nada é absolutamente preciso.

As cinco atrizes representam cinco possibilidades femininas, e a mais forte (se o parâmetro for o que uns chamam de "personalidade") é a que ganha complexidade com a atriz Christiane de Macedo. Seja pela presença em cena. Seja pelo trabalho com a voz, forte, e ainda pelas falas contundentes. "Você é muito agressiva", outra personagem a define. E, por meio de agressividade, ela pressionará, pelo diálogo, pelo olhar (fulminante), o personagem masculino a revelar o seu segredo.

Ao final, depois de risos e alguns silêncios tensos na plateia, o que era mistério se revela: o personagem foi vítima de alguma ação violenta. Ele tentou se isolar do mundo em uma casa-cápsula, mas –todos sabem – a vida não costuma deixar ninguém sossegado. O personagem pode ser um possível alter-ego do autor? Não faz muita diferença, pois o que entra em discussão é a impossibilidade de um vivo fugir da vida (permanecendo vivo).

Em tempo: Ranieri Gonzalez está (no mínimo) espetacular em cena, seja nos diálogos e mesmo (e sobretudo) com o trabalho corporal que ganha força em pausas e expressões faciais.

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