• Carregando...

Criou-se o estigma de que poesia é um gênero hermético, feito por poetas para ser lido por poetas e professores de Literatura. Mas, se ler poesia é tão difícil, então que espécie de literatura escreveu Fabrício Carpinejar em seu livro Meu Filho, Minha Filha (Bertrand Brasil, 144 págs., R$28) para atingir a marca de quatro mil exemplares vendidos em apenas quatro meses?

Os poemas do autor, pai separado que "dispõe apenas de um sábado e domingo para confirmar a paternidade (...), sob a ameaça do despejo, de ser trocado", atraíram pais e filhos às livrarias. "Há pais que nunca leram poesia e que nem estão se dando conta de que estão lendo, o que é o melhor de tudo. Isso vai levá-los a outros livros", considera Carpinejar, em entrevista por telefone ao Caderno G.

Para ele, esta deve ser a relação entre o poeta e seu público. Afinal, poesia boa é aquela que devolve a autoria ao leitor, ou seja, permite que ele se aproprie do que está lendo a partir de suas próprias experiências, de seu cotidiano. "As pessoas esquecem que estão lendo um poema de Carlos Drummond de Andrade, de Manuel Bandeira ou de Manoel de Barros, e têm a sensação de que estão lendo sobre suas vidas", afirma.

Mas, e a poesia brasileira feita hoje? Ainda é capaz de provocar este espelhamento? Carpinejar acha que sim e, para comprovar, cita alguns poetas que, em sua opinião, sabem escrever com simplicidade, sem deixar de lado a elegância e o refinamento de linguagem: o conterrâneo Paulo Scott (A Timidez do Monstro, Objetiva, 108 págs., R$29,90) e os paulistas Fabrício Corsaletti (Estudos Para o Seu Corpo, Companhia das Letras, 168 págs., R$38) e Fábio Weintraub (Novo Endereço, Nankin, 125 págs., R$19,90).

A arrogância é, para Carpinejar, o pior defeito de alguns poetas. "A boa poesia é invisível, se lê sem pensar em gênero". Para ele, livro não é aula. "Tem poeta que quer ensinar o leitor a ser poeta, que fala do seu próprio poema ou do ato de fazer poesia".

O fantasma do poeta indecifrável assombra porque o gênero pode servir como fuga fácil a alguns autores. "Muitas pessoas escrevem para se defender, para se encobrir. É muito fácil utilizar metáforas para dizer certas coisas que tu não queres descobrir. Muitas pessoas usam metáforas de forma extravagante porque a crueza dói, a simplicidade dói. O poema exige uma consciência afiada, uma vulnerabilidade. Quem sente dor não vai usar metáfora", diz Carpinejar.

Simplicidade, no entanto, não é sinônimo de facilidade. Para envolver o leitor, é preciso haver mistério. "Mas, o enigma precisa ser claro", diz o poeta gaúcho. Ele defende o que chama de "terrorismo poético", ou seja, a poesia imiscuída, disfarçada, com "ardor de conversa". "Hoje, os poetas precisam ser cada vez mais infiltrados a ponto de as pessoas não saberem mais por onde a gente anda. O poema é bom se é possível lê-lo como se estivéssemos conversando e ninguém apontar e dizer ‘isso é um poema’".

E, pra finalizar, o autor cita o maior terrorista, que nem poeta foi: o contista e romancista mineiro Guimarães Rosa. "Todo mundo lê seus livros pela oralidade e não se perturba com toda aquela poesia exuberante em sua prosa".

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]