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Maria Schneider e Marlon Brando, em cena de O Último Tango em Paris, clássico do erotismo no cinema |
Maria Schneider e Marlon Brando, em cena de O Último Tango em Paris, clássico do erotismo no cinema| Foto:

Pobres pornógrafos

Jorge Leite Júnior é doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Tem experiência na área de Antropologia, atuando com temas ligados à sociologia urbana, à sexualidade, à comunicação e à arte. Nesta entrevista para o Caderno G Ideias, Leite falou sobre a fragilidade das definições de erotismo e pornografia, apontando por que essas tentativas de classificação apenas legitimam uma forma de poder estabelecida por meio da distinção social. Por isso, diz Leite, é comum se definir a pornografia como "o erotismo dos pobres" e de todos aqueles privados de "capital cultural". Abaixo, os principais trechos da entrevista.

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Desprovidos de superego

Para Jorge Leite Júnior, quando se fala em "arte erótica" no Brasil, é obrigatório citar a banda Solange, Tô Aberta!, de Salvador. Formada pelos músicos Paulo Belzebitchy e Pedro Costa, o grupo "une funk, drag music e punk rock a performances e letras extremamente transgressivas, baseadas na linha filosófica da teoria queer". Os temas – abordados em faixas como "F***r Freud" e "A Dança da Passiva" – vão da homofobia ao especismo. Abaixo, uma breve entrevista com Belzebitchy.

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Falar sobre arte e erotismo é bom. Tema prolífico, apresenta-se à imaginação carregado de promessas doces, agradáveis sugestões de mistério. Mas também se revela uma armadilha para os ingênuos. Nada há de ameno no ato de se debruçar sobre a mistura fumegante destas duas atividades, a artística e a sexual, tão caras ao ser humano. São inúmeras as dificuldades envolvidas, ligadas a questões de conceituação ou mesmo a uma amistosa falta de consenso entre os interlocutores. O que é arte, o que é lixo e o que é preconceito? O que é erotismo, o que é pornografia e para que servem? A anárquica abrangência do assunto também complica sua abordagem. Que enfoque é o mais adequado? Afinal, observando o vasto conjunto de artistas em cujo trabalho se insinua o elemento erótico, flagramos naturezas tão distintas quanto as de Ovídio, Sade e a Garota Melancia.

Henry Miller, por exemplo. Um dos autores centrais desse cânone. Acreditava que todo artista é obcecado pelo pensamento de recriar o mundo para restaurar a inocência do homem. Tarefa asinina, julga o senso comum. Escritor que abusava do sexo, tentador é imaginar que função Miller reservava ao erotismo nessa missão redentora. De certa forma, ele passou a vida tentando compreender-se a partir da análise da própria obra – que diz muito sobre ele, mas, é claro, está longe de ser definitiva.

Para o jornalista e escritor Ubiratan Paulo Machado, estudioso de literatura e autor de 14 livros, Miller se refere à inocência perdida como metáfora. Ela nunca teria existido. "É um mito, como a bondade natural de Rousseau, uma busca que, como aspiração, se ajusta à tese vulcânica e um tanto contraditória de D. H. Lawrence, em O Amante de Lady Chatterley, do erotismo como possível caminho de espiritualização", explica. E aqui, inclusive, cabe lembrar que Lawrence, certa vez, afirmou existirem só duas grandes modalidades de vida, a sexual e a religiosa, sendo que a última seria infinitamente maior que a primeira. Uma verdade bem subjetiva.

Jorge Leite Júnior, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, com enfoque em Antropologia e especialização em Sexualidade, também rebate a hipótese de Miller. "Que cultura é essa que produz tantos ‘culpados’ a priori, a ponto de procurarem tão ansiosamente uma ‘inocência’ que acreditam não mais lhes pertencer?", pergunta. "Se até o século 19 o sexo era visto como a origem de todos os males, a partir do 20 passou a ser compreendido como fonte de toda a salvação psicossocial. Se antes havia o medo dos ‘excessos’ sexuais, agora, existe o medo da ‘escassez’."

Impossível, portanto, falar sobre arte e erotismo sem discutir também história e política, religião e repressão, economia e capitalismo, mercado e consumo, homofobia e machismo. Sem discutir conceitos.

Até mesmo as pietás

Muitos consideram erotismo e arte entidades irmãs, inseparáveis. Bom poeta, Octavio Paz, fascinado pelo tema, as relacionava numa sedutora frase de efeito. O erotismo, para ele, era uma "poética corporal" e a poesia, uma "erótica verbal".

No erotismo, o sexo se desviaria da sua função natural – a reprodução –, da mesma maneira que, na poesia, e na arte em geral, a linguagem se afastaria da mera comunicação. Para outro poeta, Fabrício Carpinejar, o erótico na literatura se caracteriza por permitir que a imaginação conduza a palavra. "No erotismo, há uma recriação do sexo: o que não está escrito excita mais do que aquilo que está", opina. Por outro lado, na pornografia, haveria "uma imitação do sexo", na qual o que estaria sendo dito não permitiria releituras.

O jornalista e blogueiro Alessandro Martins, editor de diversos sites temáticos, se autointitula um "DJ de conteúdo". E, no caso específico do blog Pinky the Kinky, um DJ de conteúdo erótico e pornográfico. Com seu trabalho na internet, "radicaliza aquela máxima de Tolstói" ao cantar não apenas a sua aldeia, mas também sua intimidade. Algo que vale para quase todos os que lidam com sexo e arte na web.

"Todas as grandes obras de arte possuem um maior ou menor grau de erotismo, até mesmo as pietás", defende Martins. "Mas, de modo geral, é considerado erótico aquele elemento artístico que remete à sexualidade e sugere algo à imaginação, sem necessariamente buscar a excitação sexual imediata." Na pornografia, complementa, essa excitação seria o primeiro objetivo.

Para B., pseudônimo da escritora e editora do site A Vida Secreta, o componente erótico empresta mais vida e energia ao movimento artístico, já que ninguém é imune à sua influência. Ou ele nos excita ou nos incomoda. Notável, para ela, é perceber que a definição de erotismo como pornografia ou expressão artística também é relativa, subordinada à passagem do tempo.

"A pornografia depende dos olhos de quem a vê, da leitura que se faz dela e do contexto em que se vive", esclarece. "Quem diria que, 30 anos depois, cartazes de filmes da Boca do Lixo, o berço da filmografia pornográfica nacional, seriam considerados arte? Ano passado, na 12ª Erotika Fair, em São Paulo, havia uma sala de exposição repleta deles."

O entendimento do que é erótico ou pornográfico varia de uma época para outra, de geração a geração, de pessoa a pessoa. O próprio Henry Miller, lembra Martins, já foi tachado de pornográfico. Hoje é um clássico – termo que, para muitos, é apenas o inócuo antônimo de "transgressor". Outra questão idiossincrática.

O mundo ao redor do mastro

Um ótimo exemplo disso nos dá a professora de pole dance Grazzy Brugner, cuja academia em Curitiba abriga 80 alunas ― em sua maioria, mulheres que buscam elevar sua autoestima ou apimentar o sexo conjugal. Para elas, cinco motéis curitibanos já oferecem quartos decorados com mastros. E só uma ínfima parcela das dançarinas de Brugner trabalha profissionalmente com o erotismo, em casas noturnas. Sinal dos tempos.

Desde os anos 1980, a pole dance era vista como prática exclusiva de strippers. Uma dança erótica que, por suas óbvias alusões falocêntricas, acredita-se ter evoluído de remotos rituais de fertilidade. Demi Moore reforçou o estereótipo no cinema; Flávia Alessandra, na tevê. Mas, hoje, aos poucos, a modalidade ganha o status de ginástica sensual e arte circense. Faz parte do universo fitness, e suas adeptas buscam várias outras recompensas. É uma terapia de autoajuda. Uma maneira de fortalecer a saúde. De vencer a timidez. Fazer amigos. Viver melhor.

Assim, o erotismo perde força como característica fundamental dessa dança sensual. E o que o futuro reserva a ela será sempre uma surpresa. Tudo muda. Grazzy já comemora a procura masculina por suas aulas. E em breve, adianta, será a vez dos pequeninos. Algo antes impensável se delineia: homens, mulheres e crianças rodopiando juntos, ao redor do mesmo mastro gravitacional.

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