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O espetáculo "Recusa" que a Cia. Balagan levou nesta segunda(1) à noite no centro de exposições da FIEP - com reapresentação hoje à noite - retrata com brilho e ousadia o universo das culturas indígenas do Brasil e de toda a América do Sul.

A encenação de Maria Thais, laureada com um justo prêmio Shell, transformou uns 30 m² do galpão da Federação das Indústrias na imensidão do território selvagem brasileiro que no final perde seu terreno para o agronegócio. (Ironicamente, a última vez que estive no espaço foi para uma feira de tratores e produtos agrícolas).

A escolha do galpão, por certo, deu-se em razão da acústica e do eco necessário a narrativa cênica contundente em que os atores transformam seus corpos e vozes em instrumentos de uma forma impressionante.

A atuação da Antônio Salvador e Eduardo Okamoto é, sem dúvida, o grande mérito da montagem. Em dueto, eles são possuídos por alguns espíritos da floresta (homens, onças, rios...) e cantam nas línguas originais de diversas etnias, algo que torna o espetáculo um irresistível recital de musica indígena acústica. Destaque para a cena em que a onça come um padre jesuíta e para as estupefaciadas gargalhadas que, aliás, são as forças motivadoras do espetáculo.

"Recusa" é inspirada em uma notícia veiculada pelo jornal Folha de S. Paulo em 2008 sobre dois índios pertencentes a tribo piripkura considerados extinto há mais de 20 anos e que foram localizados por antropólogos por causa das gargalhadas que dão ao contarem histórias um para o outro.

Na peça, a dupla vive como nômade, perambulando por fazendas madeireiras do Brasil central. Os dois índios, no entanto, recusam qualquer contato com os brancos.

A dramaturgia Luís Alberto de Abreu mistura várias lendas de diferentes etnias indígenas contados com dança e música e também com a prosódia própria dos índios colonizados. Algo que é muito rico e agradável para quem se interessa pala cultura indígena (para quem usou o guarani kaiuanas redes sócias então a peça é obrigatória), mas que causou incômoda estranheza em alguns espectadores desavisados.

A narrativa desliza, entretanto, quando um dos índios devora um fazendeiro e o texto se transforma em um discurso político contra os culpados habituais (burocracia estatal, agronefócio, sociedade omissa e hipócrita).

A carga ideológica e panfletária destoa da musicalidade do restante do espetáculo, que já dava o mesmo recado sem precisar desta nota explicativa. Algo que ao fim não serve para tirar a força da montagem, uma das peças obrigatórias do festival.

Vale dizerPara quem for até a FIEP hoje a noite, cuidado com a caótica entrada pela Avenida das Torres em obras: é um trecho de estrada de chão, duzentos metros antes do portão principal, cuja sinalização quase não se vê á noite. E também use os estacionamentos do fundo do espaço, os mais próximos ao Jardim Botânico, a menos que o desejo seja dar uma longa caminhada noturna.

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