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Maureen Bisilliat: "Atribuo o retorno afetivo forte das populações que viram a exposição em São Paulo ao interesse pelas imagens feitas em regiões que ainda hoje são longínquas, de difícil acesso." | Antonio Costa/Gazeta do Povo
Maureen Bisilliat: "Atribuo o retorno afetivo forte das populações que viram a exposição em São Paulo ao interesse pelas imagens feitas em regiões que ainda hoje são longínquas, de difícil acesso."| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo

O Brasil de Maureen

Saiba mais sobre a trajetória da fotógrafa inglesa naturalizada brasileira

Formação

Sheila Maureen Bisilliat nasceu em Englefieldgreen, Surrey, Inglaterra, em 1931. Na década de 50, estudou pintura com André Lothe em Paris e no Art Students League, em Nova York. No Brasil, entre 1964 e 1972, trabalhou como fotojornalista para diversas publicações da Editora Brasil, entre elas, a revista Realidade.

Obra

É autora de livros de fotografias inspirados nas obras de grandes autores brasileiros como A João Guimarães Rosa (1966), Sertões – Luz e Trevas (1983), O Cão Sem Plumas (1984) e Bahia Amada Amado (1966).

Brasil

Em 1985, expôs ensaio produzido no rio Amazonas inspirado no livro O Turista Aprendiz, de Mário de Andrade, em uma sala especial na 18ª Bienal Internacional de São Paulo. Publicou também Xingu – Território Tribal (1979) e Terras do São Francisco (1985).

Com as peças que ela e o marido, Jacques Bisilliat, recolheram pelo país, Maureen formou o acervo de arte popular do Pavilhão da Criatividade do Memorial da América Latina, em São Paulo, que dirige desde 1988.

Autobiografia

Nos últimos anos, Maureen tem produzido mais vídeos do que fotografado. Seu próximo projeto, em parceria com Lúcio Kodato, será um filme autobiográfico para o qual retornará 40 anos depois "aos diversos mundos" que registrou em suas mais de 16 mil imagens.

  • Os vaqueiros do sertão nordestino fotografados após a leitura de Os Sertões
  • Menina caranguejeira da série inspirada em poema de João Cabral de Melo Neto

No ano passado, a fotógrafa Maureen Bisilliat viu-se impactada pelo retorno emotivo de populações variadas que, ao passar pela Avenida Paulista, acabavam enredadas pelos diversos universos brasileiros de sua retrospectiva fotográfica, no Centro Cultural FIESP, ali sediado.

Agora, esta inglesa radicada em São Paulo desde 1957 enfrenta o desafio de exibir as mais de 250 imagens selecionadas para a mostra Maureen Bisilliat – Fotografias (confira o serviço completo da exposição) na imensidão espacial do Museu Oscar Niemeyer. "Tivemos que nos adaptar à generosidade do mestre Niemeyer", conta.

Na manhã da última sexta-feira, a fotógrafa octogenária interrompeu por cerca de uma hora os afazeres de montagem da exposição, aberta neste sábado, para conversar com a repórter e o fotógrafo da Gazeta do Povo Antonio Costa. O papo começou justo na sala que Maureen considera estratégica, dedicada ao chão de gráfica, que enfileira nas paredes e balcões as publicações e as chapas de impressão de suas obras sobre o Xingu. "Às vezes, esquecemos das pessoas que colaboraram para o bem-estar das publicações", lembra a fotógrafa, frisando a importância de sua equipe para o sucesso da mostra.

A começar pelos curadores do Instituto Moreira Salles, coordenados por Sergio Burgi, que a ajudaram na difícil missão de selecionar quais das mais de 16 mil imagens de seu acervo, comprado em 2003 pelo IMS, fariam parte da montagem. "Isso significou uma renovação de vivência, porque quase todas as fotos estavam relegadas ao armário, eu havia me desligado completamente delas", conta Maureen, confessando ter gostado mais da tarefa de roteirizar as imagens para a exposição do que propriamente de fotografar.

Equivalências

Gosto que certamente se relaciona à sua concepção de fotografia. "Sempre penso a fotografia como sequência, como livro", conta. Compreensível. Seu próprio olhar sobre as regiões brasileiras pelas quais se embrenhou nos anos 60 e 70 está impregnado de literatura. São ensaios fotográficos que, sem que tenhamos tempo nem de ler a legenda, nos transportam imediatamente para dentro das obras de João Guimarães Rosa, Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto e Euclides da Cunha. "Chamo estas fotografias de equivalências fotográficas", conta.

Longe de fazer mera ilustração das obras literárias, a inglesa se embrenhou pelos rincões brasileiros, naquela época, ainda pouco acessíveis, tendo como ponto de partida o mergulho "nas águas daquele mar de palavras", como se refere à obra de Guimarães Rosa. Depois ia se haver com os autores, mas a reação era sempre positiva – e surpreendente. "Ao voltar de cada viagem a Minas Gerais, ia visitar Rosa e mostrava pequenas cópias das fotografias. Ele olhava com muita curiosidade para todas elas, fazia anotações e dizia ter saudades dos lugares e das pessoas que via. Então, era como se minhas imagens fossem um espelho de sua escrita", conta a fotógrafa.

Nas fantásticas fotos em preto-e-branco que revelam o cotidiano no sertão mineiro, Diadorim e Riobaldo parecem prestes a surgir em cada esquina, mas vemos de fato o vulto imponente do vaqueiro Manuel, que conviveu com o escritor e se tornou personagem de "Manuelzão e Miguilim", parte da obra Corpo de Baile. Outros vaqueiros, figuras que aparecem n'Os Sertões, de Euclides da Cunha, posam garbosos em suas roupas de couro.

Impressionam também as mulheres que surgem como divindades de lama em "Caranguejeiras", ensaio realizado entre os catadores de caranguejo da Paraíba, em 1968, tendo como inspiração o longo poema "Um Cão sem Plumas", de João Cabral de Melo Neto.

Mas Maureen nutre especial carinho pela série fotográfica "Pele Preta", que surge sequencialmente à "Bahia Amada Amado", um flerte com o mar, o céu e as gentes de Jorge Amado. "Neste ensaio se revela a ponte entre a pintura e a fotografia. Trabalhei com os corpos negros de forma plástica", conta Maureen, que estudou pintura com André Lothe, em Paris, em 1955, e no Art Students League, em Nova York, em 1957.

As cores do Xingu

O indigenista Orlando Villas-Bôas viu o livro sobre Guimarães Rosa e pediu a Maureen que fizesse um trabalho semelhante sobre os índios do Xingu. Logo vi que ele queria um trabalho em preto-e-branco. Mas chegando lá, percebi que a cor no Xingu tem o seu apelo e a gente é levada a trabalhar com ela", conta a fotógrafa, que chegou a ir sete ou oito vezes até lá entre 1973 e 77.

A série indígena vem acompanhada de uma projeção do filme em 16mm recentemente restaurado e transformado em vídeo Xingu/Terra, documentário de 1978 feito em colaboração com o diretor de fotografia Lúcio Kodato, que registra a preparação de uma celebração na aldeia mehinaku, no Alto Xingu.

A mostra exibe ainda parte do trabalho fotojornalístico de Maureen – ensaios produzidos na Bolívia, China, Japão e Costa do Marfim e os registros de um projeto realizado em parceria com a filha, Sophia, que resgata a memória do Carandiru pouco antes de a instituição ser fechada.

Serviço:

Maureen Bisilliat – Fotografias (confira o serviço completo da exposição). Museu Oscar Niemeyer (R. Mal. Hermes, 999), (41) 3350-4400. Terça a domingo, das 10 às 18 horas. R$ 4 (adultos), R$ 2 (estudantes), livre (crianças até 12 anos, maiores de 60 e escolas públicas pré-agendadas). Até 31 de julho.

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