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"Máfia? Isto não é uma marca de sabonete?" A tirada de um cardeal de Palermo na década de 1960 para minimizar a organização criminosa italiana foi resgatada pelo siciliano Padre Nino Fasullo para alertar sobre a perpetuação dos ouvidos moucos e bocas de siri de seus irmãos de ofício.

O "padre antiMáfia", como ficou conhecido em uma região onde ser contra a Máfia não é uma coisa natural, nem para padres nem para advogados, desabafa entristecido à jornalista alemã Petra Reski, autora do livro Máfia – Padrinhos, Pizzarias e Falsos Padres: "A confissão deixou de ser o sacramento do perdão para se tornar túmulo da moral". Isso acontece, de fato, a julgar pelo comportamento de padres como Mario Frittitta, preso no passado por favorecimento à Máfia, para quem a "Igreja precisa ajudar essas pessoas [os mafiosos], elas também têm dignidade, elas também têm uma alma que não deve ser pisada com leis".

Considerada uma espécie de Roberto Saviano de saias por seu trabalho de investigação jornalística sobre a Máfia, a escritora radicada em Veneza oferece um panorama atual das relações dos clãs mafiosos Cosa Nostra, ‘Ndrangheta e Camorra não só com a Igreja, mas com políticos e magistrados, a partir de um trágico episódio ocorrido em seu país natal, a Alemanha.

Em agosto de 2007, seis italianos foram assassinados em uma pizzaria em Duisburg – uma das centenas de estabelecimentos gerenciados por mafiosos da ‘Ndrangheta na Alemanha que servem pizza e lavam dinheiro – trazendo à tona uma verdade desconfortável: a presença da Máfia em nível global.

"Eu pessoalmente não como mais pizza", brinca o diretor da Divisão de Homicídios de Duisburg, Heinz Sprenger. O tom fica sério quando ele informa que os negócios da Máfia terão grande futuro no país enquanto as leis germânicas não mudarem. "Enquanto não ocorrer a ‘inversão da prova do ônus’, ou seja, quando a polícia não precisar mais provar que esse dinheiro é proveniente de um ato ilícito, mas que o investidor seja obrigado a provar que seu dinheiro é limpo e foi ganho legalmente", explica.

O problema, observa Petra, que atualmente vive sob a proteção das polícias alemã e italiana, é que o governo alemão se recusa a aceitar a presença da Máfia.

Berlusconi e cia.

Conversando com procuradores do pool antiMáfia na Sicília, Petra estabelece para o leitor as relações entre a ‘Ndrangheta com os barões da coca colombianos. "O clã detém o monopólio da importação de cocaína para na Europa", diz Salvatore Boemi. O dinheiro da Máfia, calculado pela autora em um faturamento anual de 100 bilhões de euros, significa sobretudo financiar disputas eleitorais e eleger parlamentares que representem os interesses da Máfia.

Um dos encontros mais notáveis que a autora teve no Palácio da Justiça, em Palermo, foi com Marcello Dell’Utri, braço direito de Silvio Berlusconi, fundador da Forza Italia, senador, parlamentar europeu e que, naquele momento, defendia-se em uma audiência da acusação de apoio à Máfia. "Belissima signora, esse processo é tão maçante, não perca o seu tempo com ele", disse à Petra.

Ele seria condenado a nove anos de prisão, mas a sentença de primeira instância na Itália não tem efeito enquanto não for confirmada na segunda e na terceira instâncias. No fim do processo, que durou oito anos, comprovou-se que Dell’Utri trabalhou desde os anos 70 para a Cosa Nostra, tendo Berlusconi como seu interlocutor – este, em defesa do amigo, advertiu os procuradores de Palermo. "Eles não deveriam brincar com fogo", narra Petra, desfiando o envolvimento do primeiro-ministro com a Máfia.

O fio condutor da narrativa de Máfia é a biografia de Letizia Battaglia, a mais importante fotógrafa antiMáfia da Itália. Ao lado dela e de sua filha Shoba, também fotógrafa, Petra percorre as principais cidades onde a Máfia está instalada, proporcionando ao leitor um mergulho em um cotidiano que pouco tem a ver com o glamour sugerido em filmes e livros, mas que mesmo assim tem episódios que marcam pelo pitoresco, como a festa de casamento da exuberante advogada pró-mafiosos, Rosalba di Gregorio, e assustadores, como quando o trio de mulheres foram atacadas em frente à casa de uma família pertencente à organização mafiosa. GGGG

Serviço:

Máfia – Padrinhos, Pizzarias e Falsos Padres, de Petra Reski. Tradução de André Delmonte. Tinta Negra, 240 págs., R$ 39,90. Reportagem.

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