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Caetano entre Marcelo Callado (à esquerda), e Pedro Sá e Ricardo Dias Gomes (à direita): parceria com a bandaCê se encerra com trilogia | Fernando Young/Divulgação
Caetano entre Marcelo Callado (à esquerda), e Pedro Sá e Ricardo Dias Gomes (à direita): parceria com a bandaCê se encerra com trilogia| Foto: Fernando Young/Divulgação

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Quem for hoje à apresentação de Caetano Veloso no Teatro Positivo não deve esperar por um show com os maiores hits do cantor – como, aliás, anúncios do espetáculo vêm dando a entender. O baiano está em turnê com o disco Abraçaço, o fecho da trilogia com a bandaCê (grafada assim mesmo pelo cantor), formada pelos jovens Marcelo Callado (bateria e percussão), Pedro Sá (guitarras) e Ricardo Dias Gomes (baixo e teclados), com quem já havia lançado Cê (2006) e Zii e Zie (2009). É o som com contornos de indie rock deste projeto que vai ao palco nas faixas de Abraçaço e em canções de trabalhos anteriores que o cantor e compositor conseguiu conciliar com o novo disco, lançado no fim de 2012.

Além de faixas do primeiro disco da trilogia, Cê, Caetano canta músicas como "Lindeza" (Circuladô, 1991) e "Triste Bahia" (Transa, 1972).

"Ainda não entendia o roteiro como um todo quando o show estreou no Circo Voador, no Rio. O público, cantando as canções novas e reconhecendo as antigas que não são as mais clichê de sucesso meu, foi quem deu sentido ao repertório. Hoje faço o show como se entendesse o filme do roteiro", explica Caetano.

Em entrevista por e-mail para a Gazeta do Povo, o cantor falou sobre a conclusão da trilogia com a bandaCê, a escolha do repertório da turnê, a receptividade do público e sua boa forma vocal aos 70 anos, além de – como de costume, questionado sobre uma questão das mais complexas –, sua percepção das marchas de junho que movimentaram o país.

A trilogia com a bandaCê deu conta de tudo o que você queria fazer com este formato? Como vê o fechamento da trilogia, e o que pensa em fazer na sequência?

Todo o meu trabalho é, para mim, insatisfatório. Dou uma canção por terminada antes de aprová-la integralmente. A trilogia com a bandaCê está completa assim, com essa mesma incompletude. Cê foi um disco fechado em si mesmo, muito conciso, muito autoral: todas as canções já estavam prontas (e os arranjos esboçados) em minha cabeça quando reuni a banda. Zii e Zie e Abraçaço formam feitos a partir do som da banda que tinha se formado. A composição foi muito mais frouxa do que a do Cê. Mas o estilo sonoro da banda ficou muito mais maduro. Abraçaço é um disco que encantou tanta gente acho que justamente porque é relaxado e quase impensado. Como foi a seleção das canções que complementam as faixas de Abraçaço no show? Poderia falar sobre algumas dessas escolhas, e sobre como elas se incorporam ao novo trabalho?

Foi a única coisa difícil. Eu queria cantar "Língua" com um novo arranjo, fazer a quadrinha de Camões que musiquei para o Onqotô, retomar "Gatas Extraordinárias". Estava perdido. Ia cantar "Billie Jean" logo depois da abertura. Depois que escolhi "Triste Bahia" decidi não cantar nada em inglês e experimentei "Os Passistas" como segundo número. Não funcionou no roteiro. Aí botei "Lindeza", que soou perfeito ali. Ainda não entendia o roteiro como um todo quando o show estreou no Circo Voador, no Rio. O público, cantando as canções novas e reconhecendo as antigas que não são as mais clichê de sucesso meu, foi quem deu sentido ao repertório. Hoje faço o show como se entendesse o filme do roteiro. Em uma entrevista ao jornal Correio Braziliense, você disse que plateias de várias cidades "surpreendentemente" vêm recebendo a turnê com o mesmo carinho da estreia no Circo Voador. O disco e o show estão tendo uma ressonância maior do que você imaginava?

Bem maior. Dos três discos com a bandaCê, este é o mais querido pelas pessoas. Muitas pessoas me dizem na rua que ouvem o disco repetidas vezes. Ouço isso também de amigos estrangeiros, músicos ou não. Aqui no Brasil, para nós que tocamos no palco, tem sido comovente ouvir centenas de jovens cantando "Abraçaço", "Estou Triste" ou a segunda parte de "O Império da Lei".

A integridade da sua voz, aos 70, bem como sua performance como cantor, costuma ser elogiada. Você chegou a estudar técnica vocal? E quanto aos cuidados com a voz – vem adotando medidas nesse sentido?

Nunca tinha tido de tomar conta de minha voz. Exceto uma vez, creio que durante a turnê de Livro ("Prenda Minha"), em que tive de procurar uma fonoaudióloga para superar uma rouquidão teimosa, nunca exercitei, treinei ou tratei da minha voz. Agora tive outro episódio de rouquidão, diferente do daquela época – e com aspecto de insuperável. Pensei que fosse coisa do envelhecimento, já sem jeito de consertar. Mas fui a duas fonoaudiólogas e, finalmente, fiz duas sessões com o professor de canto Felipe Abreu, que me deu os exercícios que me pareceram mais eficazes, e consegui estrear razoavelmente. As pessoas achavam que não havia nada de menos em minha voz. Mas eu sentia a diferença. Aos poucos, foi desaparecendo a dificuldade. Não estou com a voz que tinha aos 23 anos, mas canto todas as canções do show de modo aceitável. Você vem se manifestando com frequência sobre a onda de protestos no país. Expressou fascínio, esperança, identificação. Como vem processando tudo isso? Chegou a ficar apreensivo – tal qual Gilberto Gil, que se lembrou da Passeata dos Cem Mil em suas primeiras impressões?

Também me lembrei da passeata dos 100 mil. Mas me excitou – e excita – mais o que há de novidade em tudo isso. O mistério da combinação de redes sociais com insatisfações acumuladas e aparentemente inexistentes, dada a aprovação dos anos PT, a tensão entre a irresistível glamourização pela mídia, os espasmos de violência, tendo sido a violência policial tão chocante a princípio que terminou desencadeando o crescimento das movimentações. Ainda não temos como medir e pesar os resultados de médio e longo prazo desses protestos. Ouvi minha empregada falar em greve geral já faz uns dez dias. Agora as centrais sindicais projetam uma de fato. Qual a afinação que esses atos organizados terão com as passeatas espontâneas? André Singer escreveu que só saberemos quando essa convulsão da sociedade brasileira for interpretada pelas classes baixas. Os legisladores correm para fazer em dias o que diziam ser difícil de fazer em décadas. O governo propôs constituinte, depois voltou atrás (embora, na imprensa, ao menos duas vozes influentes tenham dito que essa foi a única resposta à altura dos clamores das ruas: Jânio de Freitas e Vladimir Safatle), depois um plebiscito, que juristas e congressistas acham complicado para o povo responder e inviável para as eleições de 2014. Os governadores e prefeitos (e alguma empresas) decidiram baixar a tarifa dos ônibus. É tudo muito complexo e intrigante. É muito bom que o país esteja dizendo que não está sedado.

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