• Carregando...

Néon-realismo, neonoir paulistano. Rótulos não faltaram para definir um determinado tipo de cinema que emergiu em São Paulo na segunda metade da década de 80. Três filmes marcaram o período: Cidade Oculta, de Chico Botleho; A Dama do Cine Shangai, de Guilherme de Almeida Prado; e Anjos da Noite, de Wilson Barros. Este último agora chega ao DVD, com virtudes que passaram despercebidas na época de seu lançamento e proporcionando ao público a chance de reavaliar esse micromovimento dentro cinema brasileiro, hoje ignorado pelas novas gerações.

Ao misturar as histórias de vá-rios personagens da noite paulistana, o que chamou a atenção e fez a cabeça de público e crítica nos anos 80 foram os aspectos formais da produção: um certo artificialismo afetado; o uso de brilho, néon e contraluz; a metalinguagem de borrar as fronteiras entre realidade e representação. O olhar irônico lançado por Barros à idéia de uma São Paulo pós-moderna, com ares nova-iorquinos ou berlinenses, foi pouco comentado. Talvez fosse próximo demais da realidade de então para que as pessoas pudessem se dar conta de seu componente satírico e compreendessem se tratar sobretudo de uma visão crítica.

Passados 20 anos, Anjos da Noite virou uma espécie de retrato de uma época em que tudo e todos se levavam a sério demais na paulicéia desvairada. O filme contempla desde o tragicômico artista de vanguarda (José Rubens Chachá), que acaba de chegar de Nova Iorque, até os parasitas desse universo de afetação, com o michê vivdo por Guilherme Leme.

Quatro tramas principais se entrelaçam. Em primeiro plano, uma ricaça negra de origem miserável (Zezé Motta) dirige uma agência de acompanhantes e arquiva em vídeo depoimentos de figuras da vida noturna (os tais "anjos da noite"). Há, também, um ator transformista (Chiquinho Brandão) que mata um amante e vai dar um show numa boate gay. Soma-se ao time o já citado garoto de programa, que se desentende com o namorado (Marco Nanini) por causa de uma diva veterana e decadente (Marília Pêra). Por último, um diretor de teatro (Antônio Fagundes) tenta levar para a cama uma candidata a atriz.

Todos esses personagens, embora pudessem muito bem ter saído de uma história de hoje em dia, ganham outro significado no mundo engendrado por Barros. Um tempo em que ainda existia uma certa certa utopia de uma São Paulo às portas do primeiro mundo, sem PCC e desabamentos nas obras do metrô. GGG1/2

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]