• Carregando...
Aos 22 anos, Chico Buarque de Hollanda foi elevado à condição de ídolo da música brasileira | Reprodução/Contino (1966)
Aos 22 anos, Chico Buarque de Hollanda foi elevado à condição de ídolo da música brasileira| Foto: Reprodução/Contino (1966)

Nas lojas e palcos

O 70º aniversário de Chico Buarque desencadeou uma onda de relançamentos e a produção de um espetáculos teatrais a partir de sua obra musical:

• CDs e DVDs

A Universal, por ocasião dos 70 anos de Chico Buarque, relança a caixa De Todas as Maneiras, que reúne os 22 primeiros discos de Chico (de 1966 a 1986). Outra ação da gravadora é ter disponibilizado no iTunes, na terça-feira desta semana, todo o catálogo que possui do compositor — alguns álbuns remasterizados em alta qualidade. Os DVDs sobre o artista da série dirigida por Roberto de Oliveira em 2004 ganharão versão em Blu-ray, e, até o fim do ano, chega às lojas também um disco especial da série Samba Social Clube, com vários artistas interpretando canções de Chico.

• Musical

A obra de Chico Buarque para teatro, cinema e televisão é o ponto de partida do musical Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos que chega a Curitiba no dia 2 de agosto, em única apresentação no Teatro Positivo – Grande Auditório (R. Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300 – Universidade Positivo). O espetáculo tem assinatura de Charles Möeller e Claudio Botelho, que usam as canções para contar a história de uma trupe teatral Os atores/cantores vivem personagens definidos em uma única história que liga uns aos outros através das canções, e também são personagens das peças que vão encenando ao longo das praças onde param para apresentar seu espetáculo.

• Musical 2

Nova versão de A Ópera do Malandro, escrita por Chico em 1978, estreia em agosto no Rio, dirigida por João Falcão. Já Gustavo Paso encena em novembro o musical Apesar de Você, com uma história fictícia de Julinho da Adelaide, pseudônimo de Chico durante a ditadura.

Patrimônio da sensibilidade brasileira

Cristiano Castilho

Dos Franciscos todos, é ele o Chico. Se traz no RG a simplicidade de um brasileiro típico, o senhor de 70 anos – cujos olhos verdes ainda causam quentura nas moças – é um compositor simbiótico: embora sofisticado, Chico é um operário da palavra. Erudito por formação e popular por devoção, é daqueles que usam "passeio completo" para comprar pão e jornal na esquina.

Em sua história como compositor, Chico Buarque se apegou à crítica social sem nunca esquecer das raízes do Brasil, tampouco da mulher ou do amor – ou do amor pela mulher. Pense em canções inapelavelmente líricas, como "Não Fala de Maria" e "Valsinha", por exemplo, cunhadas nos blindados anos iniciais da década de 1970.

Há quem diga que Chico não soube se atualizar. Mas tratar do que é instantâneo não é das suas. Chico precisa de tempo e, por isso, continua a ser coerente. Em "Subúrbio", do disco Carioca (2006), ele continua a desenvolver sua vertente crítica, ao relevar contrapontos entre a cidade "que abusa/ de ser tão maravilhosa" e o "avesso da montanha", um lugar que não está no mapa e que "não tem moças douradas".

E que dizer de "Sinhá" – do álbum Chico (2011) –, em que se conta "o conto de um cantor/ com voz do pelourinho/ e ares de senhor"? "É uma alusão a essa perversa relação senhor-escravo, que está à raiz da formação da sociedade brasileira, estigmatizada pelo escravagismo ainda renitente", diz Adélia Bezerra de Meneses, autora do livro Desenho Mágico – Poesia e Política em Chico Buarque, vencedor do prêmio Jabuti de 1982.

Mas, mesmo quando é quase feroz na temática – como em "Construção" –, Chico consegue ser sensível e poético. À união desses elementos, junta-se uma alta exigência estética no trato com a palavra, enfim, sua matéria-prima – Chico Buarque irá lançar seu quinto romance neste ano. "Pense, por exemplo, numa canção de temática social, que é ‘Calabar’, da peça de mesmo nome, composta em 1973, no auge da repressão política, e que fala do silêncio imposto. Trata-se de uma das mais intensas e delicadas canções eróticas da literatura brasileira. Há aí um triplo registro: telúrico (da terra brasileira, geograficamente considerada); erótico (o amor de Bárbara e Calabar, considerado o ‘traidor’ na guerra dos portugueses com os holandeses); e político (as lutas da época do Brasil Colônia)", exemplifica Adélia.

Os elementos da natureza então – matas, a terra, os rios ao mesmo tempo que tomados na sua concretude de acidentes geográficos deste país tropical – metaforizam toda uma geografia simbólica do corpo feminino. "O refrão dessa canção é ‘Cala a boca, Bárbara’, cantado pela personagem Bárbara, viúva de Calabar, e, como todos, proibida de pronunciar o nome do amado, executado pelos portugueses como traidor. Pois bem, é esse nome que surge da repetição do refrão: CALABAR." Coisa que não se vê todo dia.

Tão perto e tão distante: Chico não toca mais nas rádios, é verdade. "A sofisticação melódica se intensificou; suas músicas ficaram mais difíceis", afirma Adélia. Mas a obra do carioca, em suas palavras certeiras, passou a integrar o patrimônio da sensibilidade brasileira. Tornou-se um clássico, enfim.

  • Chico Buarque, em apresentação do show Chico, no Guairão, em dezembro de 2011

Quem era, afinal, o rapaz que desceu do avião em Curitiba naquele 14 de novembro de 1966? Para responder a essa pergunta, a reportagem do Caderno G Ideias ouviu os jornalistas Wagner Homem e Regina Zappa, dois pesquisadores que, há vários anos, vêm se dedicando com afinco à vida e à obra de Chico Buarque.

Confira os livros de Regina Zappa e Wagner Homem sobre Chico Buarque

Wagner Homem, responsável pela curadoria do site oficial do compositor e autor do livro Histórias de Canções – Chico Buarque, sobre os bastidores de criação das músicas do compositor carioca, conta que "A Banda" foi escrita de caso pensado, dois anos depois do Golpe Militar de 1964.

"Chico andava cansado daquele negócio de todo mundo fazer músicas de protesto, e quis compor algo diferente, mais lírico e pessoal", afirma o jornalista sobre a canção, que se tornou um sucesso instantâneo quando foi apresentada no 2.º Festival de Música Popular Brasileira, realizado no Teatro Record, em São Paulo, entre os meses de setembro e outubro de 1966.

Hoje se sabe que o empate de "A Banda" com "Disparada", de Geraldo Vandré e Théo de Barros, foi algo exigido pelo próprio Chico, quando soube que o júri havia lhe conferido o primeiro lugar. "Ele disse que só aceitaria o resultado se dividissem o prêmio, e seu pedido foi acatado. Se você perguntar, ele continua dizendo que ‘Disparada’ é muito melhor do que ‘A Banda’", afirma o pesquisador.

"Velho"

Regina Zappa, que foi editora do Caderno B, suplemento cultural do Jornal do Brasil, frisa que o Chico compositor não nasceu com "A Banda", mas os festivais tiveram papel decisivo na sua popularização, o consolidando como uma nova voz da música brasileira. Apesar de ele ter sido chamado de "velho" e "tradicionalista" por Caetano Veloso e Gil­­­ber­­­to Gil (seus amigos), pouco tempo depois, quando se tornaram expoentes do movimento tropicalista, que de certa forma se opunha à MPB mais tradicional.

Um dos estopins do desentendimento foi "Sabiá", parceria de Chico com Tom Jobim, que venceu o 3.º Festival Internacional da Canção (da TV Globo), em 1968, e, num primeiro momento, foi recebida como uma canção alienada e saudosista.

Mais tarde, percebeu-se na letra da música "Sabiá" um subtexto, que poeticamente falava do exílio imposto a muitos dos que lutavam contra a ditadura.

Regina lembra, também, que já em 1965, quando Chico tinha 19, 20 anos, e estudava na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da USP, ele enfrentou um desafio impensável para um artista tão jovem: musicar, a convite do diretor teatral e escritor Roberto Freire, o poema Morte e Vida Severina, do pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999), que ficou maravilhado com o resultado, encenado mundo afora.

A carreira de Chico, diz Wagner Homem, tem como marco inicial "Tem Mais Samba", composta em 1965 e incluída no primeiro LP do artista, Chico Buarque de Hollanda, lançado em 1966, trazendo como carro-chefe "A Banda", mas com outros clássicos da estatura de "A Rita", "Pedro Pedreiro" (que o levou a ser contratado pela TV Record, em 1965) e "Olê Olá". Esse álbum foi seguido por mais três volumes, todos recheados de clássicos.

Político

Tanto Regina quanto Homem atribuem a precocidade de Chico ao ambiente em que ele foi criado. Filho do historiador e professor universitário Sérgio Buarque de Holanda (autor do clássico Raízes do Brasil), ele teve, desde muito cedo, acesso irrestrito a livros, à boa música, tanto clássica quanto popular – seus pais, afinal de contas, se conheceram em um baile de carnaval, na década de 30. "Em sua casa, convivia com Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, amigos de seu pai. Mas creio que sua influência mais definitiva foi a bossa nova, e sobretudo João Gilberto, que o inspirou a aprender a tocar violão melhor e a cantar", diz Regina.

Autor de canções sobre amores arrebatadores, tão sensuais quanto líricos, e festejado como grande conhecedor da alma feminina, Chico também foi sempre associado à militância política, ao engajamento. "Ele é um homem profundamente sensível ao que o cerca, e tudo o afeta. Desde sempre, teve preocupações sociais, presentes em muitas das suas canções, mas nunca quis ser identificado como um artista político."

Essa faceta mais engajada, embora já fosse perceptível em suas primeiras canções, como "Pedro Pedreiro", ganhou outra dimensão, na visão de Wagner Homem, depois do lançamento da canção "Apesar de Você", escrita e originalmente interpretada por Chico Buarque em 1970, após seu retorno de um exílio voluntário na Itália, ao lado da mulher, a atriz Marieta Severo, com quem foi casado por mais de 30 anos.

A canção foi lançada inicialmente como compacto simples, e vendeu 100 mil cópias até ser proibida pelo governo do presidente militar Emílio Garrastazu Médici. "Ele disse que não era sobre um general, mas a respeito de generalidades", conta o pesquisador. "Apesar de Você" seria liberada oito anos mais tarde, durante o fim do governo de Ernesto Geisel, e incluída no mesmo álbum de "Cálice", outro hino de resistência à ditadura, composto em parceria com Gilberto Gil e por anos também proibido pela censura.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]