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Crítica e público ainda não estavam prontos para Pergunte ao Pó. Um resenhista escreveu que Arturo Bandini era "um personagem cortado inteiramente de um tecido de William Saroyan." Outro, comparando-o ao livro anterior, e fazendo ilações goethianas, afirmava: "Agora que escreveu o seu Werther, esperamos fervorosamente que Fante volte a um outro Fausto."

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Gigante literário do século 20, o irlandês James Joyce publicou em 1914 o livro de contos Dublinenses, que mostra a total estagnação da cidade e de seus moradores. As 15 histórias incorporam epifanias, uma palavra típica do universo joyceano, que significava uma espécie de súbita iluminação da psique. Em 1916, publicava seu primeiro romance, Retrato do Artista Quando Jovem, em que o protagonista Stephan Dedalus é o alter ego do próprio Joyce. A linguagem evolui à medida que o personagem amadurece e consegue apreender o mundo de maneira mais sofisticada. O Retrato insere-se na linhagem do Bildungsroman – romance de aprendizagem, ou de formação – de que são exemplos clássicos o anônimo espanhol Lazarillo de Tormes e Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister, de Goethe.

Na composição da saga de Arturo Bandini, John Fante – consciente ou inconscientemente – incorporou o Retrato de Joyce e outro romance de Goethe, Os Sofrimentos do Jovem Werther, escrito 165 anos antes de Pergunte ao Pó e que lhe inspira o desenlace trágico, com a morte da heroína em vez do herói.

O Retrato do Artista Quando Jovem exerceu forte influência sobre escritores anglo-americanos. Um dos exemplos mais notórios, nos Estados Unidos, foi James T. Farrell, de origem irlandesa e formação católica, nascido em Chicago, cinco anos mais velho do que Fante. Com a trilogia de Studs Lonigan, publicada entre 1932 e 1935, Farrell antecipou de certa forma a saga de Arturo Bandini.

Não deixa de ser irônico que o livro cult de Fante, Pergunte ao Pó, teria na época menos repercussão do que Espere a Primavera, Bandini. Lançado em 10 de outubro de 1938, seu romance de estreia teve excelente acolhida crítica e uma vendagem que o levaria a ocupar o quarto lugar entre os "mais vendidos da semana" segundo a lista do San Francisco Chronicle em meados de janeiro de 1939.

Além da edição britânica, foram programadas traduções para o italino e o norueguês, respectivamente pela temática ítalo-americana e pela influência estilística de Knut Hamsun, autor de Fome e Prêmio Nobel de Literatura em 1920. A intelectualidade socialista acolheu Bandini com entusiasmo e o principal crítico de São Francisco, Joseph Henry Jackson, viu no romance "as mesmas qualidades de humor, ternura, simpatia e compreensão" encontradas em Boêmios Errantes, de John Steinbeck. Jackson (do San Francisco Chronicle) e Sterling North (do Chicago Daily News) apontaram Espere a Primavera, Bandini como o melhor romance de 1938.

Pergunte ao Pó foi lançado menos de um ano depois de Bandini, em 8 de novembro de 1939, com uma aquarela na sobrecapa (dust-jacket em inglês) que mostrava um homem e uma mulher, obviamente juntos mas tensamente distantes, ao lado de um conversível debaixo da sombra rala de uma iúca e de um céu listrado com matizes queimados e rosados do deserto. Na contracapa, elogios de escritores como William Saroyan, James T. Farrell e John Chamberlain. O preço era US$ 2, cinquenta centavos a menos do que Bandini – uma estratégia do editor que acreditava no potencial de venda do autor.

O pó do título – é bom esclarecer – é a poeira do deserto que às vezes os ventos traziam até Los Angeles. E o pó de que viemos e ao qual voltaremos. A cena apocalíptica do terremoto de Long Beach acontece logo depois que Bandini faz sexo com a judia Vera Rivken. ("Você fez isto, Arturo. Esta é a Ira de Deus. Você fez isto.") E a epifania maior do romance é a cena final, em que Bandini arremessa um exemplar autografado do seu livro no deserto onde Camilla desapareceu para sempre.

Crítica e público ainda não estavam prontos para Pergunte ao Pó. Um resenhista escreveu que Arturo Bandini era "um personagem cortado inteiramente de um tecido de William Saroyan." Outro, comparando-o ao livro anterior, e fazendo ilações goethianas, afirmava: "Agora que escreveu o seu Werther, esperamos fervorosamente que Fante volte a um outro Fausto." 1939 foi um ano ruim, em termos de competição: Fante defrontou-se com best sellers como As Vinhas da Ira (John Steinbeck), O Dia do Gafanhoto (Nathanael West), O Sono Eterno (Raymond Chandler) e filmes como ...E o Vento Levou, O Mágico de Oz e No Tempo das Diligências. O ano terminou, fechando a tampa da década de 1930 e sepultando Pergunte ao Pó durante 40 anos.

Em 1940 saiu o terceiro livro de Fante, Dago Red (depois republicado como O Vinho da Juventude). Em 13 contos, ele transpunha as pequenas epifanias de Dublinenses para a comunidade italiana do norte de Denver, o mundo da infância de Fante visto pelos olhos do garoto Jimmy Toscana. Arturo Bandini deixava a cena e só retornaria em 1982, nos Sonhos de Bunker Hill, com o mesmo personagem, o mesmo local, a mesma época e os mesmos dilemas de Pergunte ao Pó, uma espécie de remake literário de Pergunte ao Pó. Alguma coisa Hollywood havia ensinado a John Fante.

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