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Glória Pires e Paulo Miklos: unidos pela solidão em É Proibido Fumar | Divulgação
Glória Pires e Paulo Miklos: unidos pela solidão em É Proibido Fumar| Foto: Divulgação

Mocarzel: sem o verbo

Quebradeiras, um dos concorrentes ao troféu Candango que será entregue na terça-feira pelo 42º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, é uma ruptura interna na filmografia de Evaldo Mocar­­zel. Antes apegado à palavra, como qual­­quer dramaturgo e jornalista que se preze – e ele é ambas as coisas –, o cineasta sentiu o esgotamento no formato do documentário "falatório", tecido por entrevistas, como Do Luta à Luta (sobre portadores da Síndrome de Down) e À Margem do Lixo (retrato de catadores de papel). Propôs-se, então, novas regras na filmagem: descartou as entrevistas, inclusive as induzidas; aboliu a câmera na mão; e aceitou a interferência da trilha sonora.

Ao recontar a vida das quebradeiras de coco de babaçu na região fronteiriça do Pará, Maranhão e Tocantins, Mocarzel faz uma tentativa de se reinventar dentro do gênero documental, ao qual se filiou por oportunidade, enquanto sonha com o cinema de ficção, fabulista. Sem pronunciarem palavra alguma senão pelo canto, as mulheres que filma representam a si mesmas. O olhar do diretor é influenciado pela "sensorialidade" dos documentários feitos feitos hoje em Minas Gerais, por diretores como Marília Rocha (que estréia hoje A Falta Que Faz). E se direciona à vídeoarte.

Luciana Romagnolli

Brasília - As neuroses corriqueiras da solitária mulher de meia-idade, interpretada por uma Glória Pires tornada kitsch no filme É Proibido Fumar, parecem ser crise suficiente ao redor da qual orbitará o segundo longa-metragem da diretora Anna Muylaert (de Durval Discos, 2002), apresentado na Mos­tra Competitiva do 42.º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Baby usa camiseta estampada com a cara do Chico Buarque, mantém os cabelos cortados com a mesma franjinha de colegial e sai do sério quando o assunto é um sofá velho do qual reivindica a herança gritando com as irmãs. Vive de aulas de violão para aspirantes sem nenhum talento, sozinha em um apartamento de classe média baixa no bairro Paulista de Pinheiros. Todo "decorado" com samambaias.

A personagem é uma quarentona que parou no tempo. Por isso, não causa estranhamento maior a paixão imediata que sente pelo novo vizinho músico.

Com uma linguagem despachada e bem humorada, o universo patético da personagem sofre contrações com a proximidade desse homem (Paulo Miklos, de O Invasor), que pode lhe dar o que ela quer, mas não admite: casamento.

O roteiro escrito por Muylaert e amadurecido em um laboratório do Sesc Rio, contudo, reserva duas surpresas cruciais (a segunda, um engenhoso anticlímax), que vêm para apagar o ar politicamente correto inicial e inverter as certezas de Baby e do espectador em relação ao julgamento de caráter dos personagens e à solidez da relação entre eles. A desconfiança, natural e até saudável em um romance entre partes com idade o bastante para ter perdido a ingenuidade, sucumbe diante do compromisso consciente. "A grande discussão do filme é a questão da impunidade, da culpa, e o relacionamento como uma escolha. Mesmo com problemas, um escolhe o outro", resume a diretora.

A direção de arte se contamina pelas texturas dessa classe média baixa retratada, conferindo ao filme o realismo necessário. Os diálogos fluem naturais e significativos, mesmo quando carregam a estratégia de falar do banal na superfície, para extrapolar um sentimento aprisionado. O sofá fruto da discórdia, por exemplo, é parte de um desejo mais amplo. Quando o conquista, Baby reclama do novo estofado: "Queria, mas do jeito que era antes." O lamento sintetiza os seus dramas sentimentais.

A feliz escolha da dupla de atores – Miklos cada vez mais seguro como intérprete e Glória, veterana, consolidada como estrela deste festival, também pela atuação na superprodução de Fábio Barreto, Lula – O Filho do Brasil –, é reforçada por uma série de participações especiais espirituosas. Entre eles, Lourenço Mutarelli como um corretor de imóveis sem olfato e a atriz curitibana Maureen Miranda, no pequeno papel da orientadora do programa de incentivo a ex-fumantes.

Produção pequena, É Proibido Fumar, umas das duas únicas histórias de ficção que competem no festival de Brasília, tem tudo para agradar as plateias país afora, se a distribuição assim permitir. GGGG

* A jornalista viajou a convite do Festival de Brasília

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