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Série já vendeu mais de 4 milhões | Divulgação/Redoctone
Série já vendeu mais de 4 milhões| Foto: Divulgação/Redoctone

Ainda criança, Paulo César Araújo, autor da polêmica biografia Roberto Carlos em Detalhes, tentou entrar no estádio Lomantão, em Vitória da Conquista, para ver uma apresentação do ídolo. Com dinheiro só para a passagem de ida e volta, Paulo apelou para o porteiro. A resposta foi negativa. Frustrado, pegou o ônibus vazio de volta para casa. "Para mim, até hoje, Roberto Carlos nunca foi à Vitória da Conquista", escreve Paulo César na primeira parte da biografia. Mais de 30 anos depois, com algumas variações, a história se repete. No último dia 27, após uma audiência que durou mais de cinco horas, foi acordado na Justiça que o livro Roberto Carlos em Detalhes seria retirado de circulação.

"Foi uma barbárie, um assassinato cultural", desabafa o autor, jornalista e historiador, que há 15 anos trabalhava na biografia de Roberto Carlos. Ao longo de 500 páginas, Araújo percorre a trajetória do cantor – passando pela Jovem Guarda, Erasmo Carlos e ditadura militar – e da música popular brasileira. Para isso, realizou perto de 200 entrevistas com nomes como Tom Jobim, Maria Bethânia e Tim Maia, além de fãs, familiares e músicos que acompanharam de perto a carreira do rei.

O livro foi lançado em novembro do ano passado, pela Editora Planeta. O primeiro repúdio de Roberto aconteceu em uma entrevista coletiva a propósito do lançamento do CD/DVD Duetos, em dezembro (ler quadro). "Não li o livro todo, mas as coisas que eu vi e que tenho conhecimento me desagradam muito. Para começar, é não-autorizada. Tem coisas não-verdadeiras, que ofendem a mim e a pessoas queridas, expostas ao ridículo. É um absurdo, uma falta de respeito lançar mão da minha história, que é um patrimônio meu. Me sinto agredido na minha privacidade. Isso me irrita, me incomoda, me entristece", declarou o cantor na ocasião.

Segundo o autor, a vida pessoal de Roberto é responsável por menos de 10% da obra. "Mas como ele é um compositor biográfico, sua obra é muito pessoal. Foi inevitável abordar aspectos da sua vida pessoal no livro", justifica Araújo, que chegou a propor, na audiência, uma reedição do livro, retirando os trechos que o cantor considerasse ofensivos. A proposta não foi aceita. "O processo foi por invasão de privacidade e uso de imagem, jamais por calúnia", afirma o biógrafo.

Entre as passagens que podem ter desagradado a Roberto Carlos estão o acidente que o cantor sofreu na infância e a morte de sua mulher, Maria Rita, em 1999. O autor discorda: "Durante todo o processo estava ciente que era um trabalho sério, que inclusive contribuía para uma imagem positiva do Roberto Carlos. O problema é o livro como um todo: o Roberto tem o projeto de uma biografia oficial e não queria que saísse outro livro".

Na audiência do dia 27 de abril, ficou acertado que os livros que a editora ainda tivesse em estoque – algo em torno dos 11 mil exemplares –, seriam entregues ao cantor. Os que já haviam sido distribuídos deveriam ser retirados de circulação até 60 dias após a audiência.

"O acordo é ruim para a sociedade, sob todos os aspectos. A História do Brasil vai deixar de ser propriedade dos brasileiros para passar a ser propriedade dos personagens e de seus descendentes", afirma o jornalista Fernando Morais, autor de algumas das mais significativas biografias brasileiras, como Olga, de 1985, levada às telas em 2004, por Jayme Monjardim; e Chatô, o Rei do Brasil, que acompanha a trajetória do empresário Assis Chateaubriand. "É lamentável que um sujeito com Roberto Carlos – que tem uma bonita carreira artística – deixe uma mancha dessas em sua história", conclui Morais.

Exemplares da biografia ainda podem ser encontrados em livrarias e pela internet. O livro continua em destaque na homepage da Editora Planeta (www.editoraplaneta.com.br) e pode ser adquirido em sites como Saraiva.com e Fnac.com. Nas Livrarias Curitiba, ainda estão disponíveis cerca de 600 exemplares. Segundo João Aécio, assessor da rede, a polêmica em torno do livro fez disparar as vendas. Atualmente, Roberto Carlos em Detalhes ocupa o segundo lugar da lista dos mais vendidos, na categoria não-ficção.

A decisão de retirar o livro de circulação abriu espaço para a especulação na internet. No site de leilões Mercado Livre, exemplares podem chegar a custar R$ 150, quase três vezes mais do valor original da obra, R$ 59,90. Na Amazon.com, o preço de um exemplar usado é de US$ 90.

Desde semana passada, circulam na rede diversos links para o download do livro (como no programa de compartilhamento de arquivos eMule) no formato pdf, que permite a visualização de textos e imagens. Longe de silenciar o texto, a retirada de circulação aumentou o interesse pelo livro. E serve para abrir a discussão sobre a liberdade de expressão no país, mais de 20 anos depois do fim do regime militar.

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