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Dois fatos dizem tudo que se precisa saber sobre Lawrence Durrell (1912 – 1990). Ele foi amigo de Henry Miller, autor de Trópico de Câncer, e é considerado uma espécie de profeta que, ao final dos anos 50, conseguiu antever a revolução sexual que tomaria o mundo na década seguinte.

Com essas informações em mãos, qualquer um está apto para encarar O Quarteto de Alexandria (Tradução de Daniel Pellizzari. Ediouro, 956 págs., em quatro volumes, R$ 170).

A tetralogia publicada pelo escritor britânico entre 57 e 60, tornou-se sua obra mais conhecida – o que não é dizer pouco, relacionado a uma bibliografia de mais de três dezenas de títulos, entre poesias, romances, peças, ensaios, livros de viagem, cartas e até humor. ("Até" porque não é comum um autor "sério", poeta e pensador, escrever textos cômicos.)

Embora fosse um poeta respeitado, a posteridade o abraçou graças a sua prosa. Formado pelos romances Justine (1957), Balthazar (1958), Mountolive (1958) e Clea (1960), O Quarteto de Alexandria é tomado por um "monumento" literário. No Brasil dos anos 70, a intelectualidade cultuava uma tradução portuguesa dos quatro livros, lançada pela editora Ulisséia e esgotada há tempos.

A disposição da Ediouro em colocar no mercado a primeira versão brasileira do Quarteto, feita pelo escritor gaúcho Daniel Pellizzari, é, sem exagero, um acontecimento.

A história começa com Justine, em que o narrador anônimo, um professor de origem humilde que deseja ser escritor, relata sua relação com a personagem-título. Justine é casada com o milionário Nessim, o que não a impede de viver aventuras sexuais. Sua fama era a de ter muitos amantes. Ah, detalhe, ela está morta (informação dada já nas primeiras páginas do livro).

A narrativa se dedica a contar o que aconteceu a Justine, a partir do ponto de vista de vários personagens. Premissa ideal para a proposta estética de Durrell. Convencido que o formato do romance estava desgastado – isso, nos anos 50 –, o escritor britânico nascido na Índia procurou desenvolver a idéia de versões múltiplas para uma mesma história.

Depois de o narrador apresentar Justine, destrinchar seus casos amorosos e terminar adotando a filha dela com Nessim – tudo isso no primeiro volume –, os seguintes trazem a versão do médico homossexual Balthazar, a do embaixador Mountolive e da pintora Clea para a mesma história.

Balthazar defende que Justine, apesar de ser casada com Nessim, amava o romancista inglês de nome Pursewarden. Já o embaixador encontra razões políticas por trás da relação aberta do casal. Clea, ex-amante de Justine, aparece no tomo final, quando se revela a origem do narrador, que retorna à ação.

A história se passa durante os anos da Segunda Guerra Mundial, ambientada em Alexandria, no Egito. A cidade, de certa forma, também é um personagem, capaz de influenciar os atos e julgamentos daqueles que a habitam.

O próprio Durrell chegou a viver em Alexandria, hoje segunda maior cidade do Egito. Morou ainda na Grécia, na Argentina e na Sérvia. Casou quatro vezes e criou Justine inspirado em sua segunda mulher, Eve Cohen. Em um episódio trágico, sua filha mais nova, Sappho Jane, suicidou-se aos 33 anos, supostamente transtornada pelo assédio sexual do pai.

A amizade com Henry Miller (1891 – 1980) começou por correspondência quando tinha 23 anos. Em 1937, Durrell viajou para Paris com a mulher, Nancy (anterior a Eve), a fim de encontrar o casal de escritores Miller e Anaïs Nin. Juntos com Alfred Perles, planejaram um movimento literário que não chegou a impressionar – e rendeu livros praticamente desconhecidos, entre eles, Max and the White Phagocytes, de Miller.

Adaptações

Apenas duas vezes levaram (ou tentaram levar) Justine para o cinema. Nenhuma delas foi feliz. A primeira, de 1966, teve Sophia Loren como protagonista e a direção de Daniel Mann (A Rosa Tatuada). A segunda veio três anos depois, bancada por George Cukor (famoso por Minha Bela Dama, ou My Fair Lady no original), com Anouk Aimée no papel de Justine. Depois dessa, nunca mais ninguém tentou adaptar Durrell para as telas.

Por toda a vida e, principalmente, em O Quarteto de Alexandria, Durrell foi influenciado por Sigmund Freud (de quem empresta uma frase para epígrafe de Justine), Sade (seu livro, Os Infortúnios da Virtude, serve de fonte para várias epígrafes da tetralogia e até para o título do primeiro volume, Justine) e, por mais inesperado que possa parecer, Albert Einstein (fundamental com as teorias sobre a relação espaço-tempo).

Um dos maiores serviços que Durrell prestou à literatura foi também como leitor. Ele se tornou um divulgador da obra do poeta alexandrino Constantin Caváfis – às vezes, seu nome é grafado com "k" e não com "c" – para leitores da língua inglesa. Dois poemas de Caváfis, "A Cidade" e "O Deus Abandona Antonio", estão incluídos em uma espécie de apêndice de Justine, intitulado "Rudimentos", criado pelo próprio autor, e dizem algo a respeito do narrador.

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