• Carregando...
A extinta Confeitaria Schaffer: cenário de Chá das Cinco com o Vampiro | Luiz Augusto/Arquivo Gazeta do Povo
A extinta Confeitaria Schaffer: cenário de Chá das Cinco com o Vampiro| Foto: Luiz Augusto/Arquivo Gazeta do Povo

Chá das Cinco com o Vampiro, de Miguel Sanches Neto, não fala da relação de um pupilo com o mestre, mas de um pupilo à procura de um mestre. Nessa busca, ele encontra Geraldo Trentini, um contista gigante, um homem que não poderia se importar menos com pupilos (mas adora a atenção que recebe de todo mundo).

O protagonista Beto Nunes Filho deixa Peabiru, no interior do Paraná, movido pelo desejo de escrever e pelo amor da Tia Ester, talvez o personagem mais forte da história. Ela re­­presenta a paixão de Beto pela literatura, o sentimento que o leva à capital e determinará seu destino.

A narrativa salta no tempo 41 vezes, alternando a juventude em Peabiru, nos anos 1980, e a vida em Curitiba, na década de 1990, para voltar a Peabiru no início dos anos 2000. Enquanto a história alterna anos e cidades, o romance parece se dividir em dois. Um trata dos anos de formação de Beto e outro colige uma série de episódios sobre a experiência literária na cidade grande.

A parte peabiruense funcionaria bem sem os esquetes curi­­ti­­banos, que parecem ter sido costurados como remendos numa calça sem rasgos.

Suspense

Em Peabiru, os personagens são mais vivos, mais emocionais. O drama do protagonista é palpável e explorado em minúcias. Ele se debate com suas origens hu­­mildes e procura se encontrar – um movimento que não acaba nunca. Num recurso convencional, o fim de alguns capítulos cria suspense sobre algo a ser retomado a seguir.

É mais difícil se envolver com a parte curitibana de Chá das Cinco... A relação de Beto com Trentini é estranha. Eles não parecem dialogar. As conversas transcorrem no ritmo de entrevistas, com perguntas (de Beto) e respostas (do "mestre"). Algo semelhante acontece no contato com o crítico literário Valter Marcondes. Em­­bora consiga traçar um retrato breve de Trentini a partir de suas manias e comentários, a relação dos dois não é abordada e Beto pula de uma situação a outra como se participasse de uma série de esquetes independentes entre si.

Desgosto

Com Trentini, é difícil falar de livros. Eles discutem a cidade, o trânsito e o bolso interno da camisa. A certa altura, o "mestre" conta entusiasmado sua teoria de que pessoas obesas são, na verdade, alienígenas. "Não va­­mos falar de minha literatura", diz o contista a um jovem ansioso por informação. A galeria de personagens coadjuvantes só consegue aumentar o desgosto de Beto pela vida nada literária de Curitiba.

Além de compartilhar alguns cafés – chás, no caso do vampiro –, são poucos os indícios de que Beto tinha uma relação de amizade com Trentini. Este, um su­­jeito que leva a sério demais sua privacidade, não hesita em brigar com qualquer um que quebre suas regras.

O rompimento com Trentini, ou o aumento da distância que nunca deixou de existir entre os dois, é o abalo que faz ruir todos os sonhos do jovem escritor. O "mestre" não disfarça a falta de interesse no livro do pupilo e este acaba se envolvendo na reportagem de um jornalista manipulador que pode ter sido o estopim da briga. Pode, deve, não se sabe. Nas palavras de Beto: "Minhas razões só faziam sentido para mim".

Aceite o pacto proposto por Sanches Neto, Chá das Cinco... é um livro de ficção. Certos personagens podem parecer re­­tratos escritos de figuras mais ou menos importantes da cultura paranaense, que existem de fato, mas isso não faz diferença.

Trentini, o vampiro do título, não é Dalton Trevisan, o vampiro de Curitiba. Assim como Valter Marcondes não é Wilson Martins, Orlando Capote não é Fábio Campana, Valério Chaves não é Valêncio Xavier e as negações poderiam continuar.

Para alguém que conhece um pouco dos bastidores da literatura no estado, ignorar as pistas deixadas pelo autor é recusar uma parcela de diversão.

O pacto funciona assim: você lê o livro, talvez reconheça um ou outro personagem – como alguém procura Neal Cassidy no personagem Dean Moriarty de Pé na Estrada, romance de Jack Kerouac –, mas o propósito não é esse. GG

Serviço

Chá das Cinco com o Vampiro, de Miguel Sanches Neto. Objetiva, 236 págs., R$ 39,90.

Veja também
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]