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McCarthy: autor de "A Estrada" vendeu a máquina de escrever que comprou em 1963 por 50 dólares. | Divulgação
McCarthy: autor de "A Estrada" vendeu a máquina de escrever que comprou em 1963 por 50 dólares.| Foto: Divulgação

O trem que salvou vidas

A imagem da capa do terceiro livro de Lucius de Mello, Travessia da Terra Vermelha – Uma Saga dos Refugiados Judeus no Brasil, é um tributo à estrada de ferro brasileira, que salvou a vida de centenas de judeus fugidos do extermínio nazista na Alemanha.

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Quando o gaúcho José Angeli publicou o livro A Cidade de Alfredo Souza, em 1979, ainda não havia uma tradição de "romances do Paraná".

O londrinense Domingos Pellegrini (colunista do Caderno G) despontava como autor de contos, mas só em 1998 publicaria seu primeiro romance, Terra Vermelha (Moderna). Dalton Trevisan já escrevia desde a década de 40, mas sempre pertenceu à categoria dos autores citadinos, pouco interessados em revelar ou discutir questões regionalistas ou de identidade.

O livro de Angeli acaba de ser relançado pela editora catarinense Letras Brasileiras, em edição caprichada e prefaciada pela crítica que o literato Wilson Martins fez à epoca do primeiro lançamento, no Jornal do Brasil.

No início da década de 60, o então adolescente Angeli era membro de uma das inúmeras famílias gaúchas que emigrou para o Paraná em busca de melhores oportunidades. Os anos em que conviveu com os colonos que chegavam para desbravar o oeste/sudoeste do Paraná (regiões ainda pouco habitadas e de mata cerrada), forneceriam-lhe farto material para, anos mais tarde, compor o livro com o qual seria reconhecido por Wilson Martins como o primeiro "romancista do Paraná".

A proximidade com tipos humanos do sertão como jagunços, grileiros, prostitutas e matadores, manteve-se vívida na memória de Angeli durante anos. "Só quem viveu no mato, no sertão, tem idéia da variedade de tipos humanos que moram lá. Vivi parte da saga da colonização daquela região do Paraná. Fui amigo e compadre de muita gente", conta.

Aos 24 anos, ele retornou com a família ao Rio Grande do Sul, onde se formou técnico em Contabilidade e ingressou na faculdade de Economia. A formação foi interrompida durante o golpe militar de 1964, quando o jovem, que participava do movimento revolucionário, foi capturado e passou três anos preso na Ilha da Pólvora, no Estuário do Guaíba. Livre, em 1974, mudou-se com esposa e filhas para o Paraná, onde viveu dez anos em Morretes até se transferir para Curitiba.

A conquista do oeste

O livro é uma vertiginosa narrativa sobre a conquista e a ocupação dos territórios da fronteira agrícola brasileira. A galeria de personagens não esconde as origens do autor. O protagonista Alfredo Souza, por exemplo, um funcionário do IBGE que deixa o Rio de Janeiro e se embrenha nas matas do interior do Paraná à procura de um rio, "corta caminho. Vibra o facão, anda, abaixa-se, evita espinhos, esgueira-se, decepa hastes, secciona cipós, volta, procura rastros, pegadas de bicho, de gente (...)" e "promete-se abandonar essa m... de vida".

O tipo másculo, corajoso, que larga frases como "Nos tratos do sertão hay que se botar tenência em todas as minúcias", é claramente inspirado em personagens da literatura regionalista gaúcha, cuja expressão máxima é certamente o conjunto de romances que forma O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo. "Minha formação foi no Rio Grande do Sul. Inspirei-me no tipo do gaúcho da fronteira, transposto e modificado para o Paraná", diz.

Ele se diverte ao lembrar que, bem antes de escrever o romance, apresentou um conto a Verissimo, que o leu e respondeu, matreiro: "Aprenda português e continue escrevendo". Com família para sustentar, por muitos anos não teria tempo de praticar a escrita romanesca, como sugeriu o mais célebre autor gaúcho, mas escrever logo se tornaria seu ganha-pão.

Na infância, Angeli lia os livros que o pai, microempresário exportador de madeira, trazia da Argentina em edições em português, italiano e espanhol. Assim, tornou-se poliglota, o que lhe permitiu tornar-se tradutor e adaptar clássicos da literatura mundial – muitos publicados pela Série Reencontros, da Editora Scipione.

Hoje, aposentado e com as cinco filhas formadas, finalmente encontrou tempo para dedicar-se integralmente à escrita romanesca. Ele acaba de escrever dois livros que, com A Cidade de Alfredo Souza, formarão uma trilogia épica: O Sino da Madrugada e Terra Brava, a serem publicados pela Letras Brasileiras. "Os dois volumes são um avanço cronológico em que mostro as artimanhas jurídicas utilizadas pelas companhias que ficaram com as terras dos colonos".

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Serviço: A Cidade de Alfredo Souza, de José Angeli (Letras Brasileiras, 244 págs., R$40).

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