• Carregando...

O samba do mensalão vai passar nessa avenida em 2006. E isso não é promessa de político. Sambas-enredos inscritos no concurso da escola Renascer de Jacarepaguá citam o mensalão e descascam a classe política. O enredo é "A Divina Comédia Brasileira", uma adaptação do clássico de Dante para o Brasil atual. E o inferno, claro, estará cheio de más intenções e de políticos "mensalistas".

Corrupção, lavagem de dinheiro, trapaça, pizza, pilantragem, politicagem, ganância, mar de lama, sacanagem, decepção e poder são algumas das palavras - recorrentes no atual dicionário político brasileiro - escolhidas pelos compositores da Renascer para descrever o que é esse inferno. E eles não aliviaram, não.

O enredo "A Divina Comédia Brasileira", do carnavalesco Lane Santana, foi bolado antes da explosiva entrevista do deputado Roberto Jefferson à "Folha de S.Paulo" que atirou o país numa espiral de denúncias, revelações e CPIs. Os sambistas da Renascer, que até então "comporiam" o "inferno" com imagens mais genéricas de corrupção, ganharam como referência uma história real, com elementos como malas e cuecas cheias de dinheiro. Um desses 28 sambas, com a descrição do inferno da corrupção, será escolhido e cantado na Sapucaí no ano que vem.

"Cego é quem não quer ver / Alô, meu Brasil, que decepção /O país sucateado, a saúde é doente / Tem até mensalão", diz um trecho do samba-enredo de Soldado do Renascer, Bira Rodrigues, Serginho Sop e Paulo Cabeça-Branca - um dos 28 na disputa.

Os compositores Ricardo Bernardes e Raffah não tiveram papas na língua. O samba deles é direto ao retratar a política (atual) brasileira como caso de polícia:

"Mãos para o alto, o político assaltou / Desviando toda grana, mensalão ele pagou / Trabalho escravo no inferno é normal /Na Comédia Brasileira, coisa séria é carnaval"

A crítica também é pesada na composição de Ivo Patrô, Carlinhos Ouro Preto, Quinzinho e Índio Melodia. O samba não mede palavras para criticar governo e classe política:

"P.Q.P / O povo não aguenta mais / Com tanta corrupção / Não se pode mais viver me paz"

E sentencia:

"Tu vais morder a turma desse mensalão / E colocar essa quadrilha na prisão"

"Alô presidente, isso tem que mudar / É tanta selva de pedra /não dá mais pra suportar"

Sem citar diretamente o mensalão, o samba de Claudio Russo, Carlinhos do Cavaco, Julinho Cá e Jefinho do Amaral toca na ferida aberta do governo Lula. Um jogo de palavras, sem meias palavras, inverte o mote "a esperança venceu o medo":

"Tá no poder a grande farsa / A esperança não venceu / Eu tenho medo desse inferno de trapaça / Eu quero ver aquele que não se vendeu"

Outro compositor da Renascer, Melo, detonou de uma só vez - na primeira parte de seu samba - os juros estratosféricos, o mensalão e as crianças fora das escolas. Ele costurou em seis versos críticas à rigidez da política ecônomia, à corrupção e à fragilidade da política social:

"O rei leão assombra meu futuro / Tome taxa, tome juros / Pra bancar o mensalão / E a loba esfomeada / Faz sofrer a criançada / No sinal vermelho para a educação"

E, em dois versos do refrão, não concede absolvição:

"pro fogo eterno não vejo saída / ganância e poder infernizam a vida"

Muitos sambistas da Renascer optaram pelo refrão do meio para retratar o inferno da corrupção e da miséria política nacional. E foi ali, no que é um ponto forte da batida das baterias, que o mensalão é exumado, antes de ser atirado ao inferno. Com muito humor, claro, como na composição de Dé, Meirelles, Paulinho da Fruta e Branco:

"Despertei, decepção / Verdinhas na cueca, CPIs e mensalão /Tem dindim, combustível do poder / O planalto está em festa, deixa o caldeirão ferver"

Na letra do samba assinado por Ipeixoto e Vandinho, nem o "coisa ruim" escapa:

"Mensalão, roubo e corrupção / Diabo marcou bobeira / Bateram sua carteira / No Planalto da nação"

A"Divina Comédia Brasileira" da Renascer, como a de Dante, está dividida em inferno, purgatório e paraíso. O inferno não é exclusividade só dos políticos. Mazelas sociais também serão retratadas ali: violência, desemprego, caos na saúde. Mas com as manchetes dos jornais estão dominadas, totalmente dominadas, há três meses pelo escândalo político, o mensalão incendiou a imaginação dos compositores da escola.

"Neste inferno ô ô eu não quero me sujar ô ô / É bala perdida, é miséria, é mensalão / Tudo acaba em pizza / E ninguém vai para a prisão",diz um refrão, da parceria de David Correa, Zizo, Trivela e Nilson. Este é apenas um dos sambas concorrentes que expressam a preocupação de ver tudo acabar em pizza.

Mas há sambistas quem mantêm a esperança. Tem quem acredite que o povo pode dar um jeito na impunidade. O samba composto por Ademar Andrade, De Paula, Ricardo Rocha e Carlos Gabi pede:

"Oh! Meu Brasil / Acenda a luz, clareia o mar da escuridão / Com dignidade e coragem / Erga a cabeça e diga não ao mensalão"

Com ou sem esperança na punição, o tom é de denúncia e galhofa carnavalesca. Os autores João do Bafo, Duda, Celinho, Diminas e Geovana declaram em seu samba:

"Eu sou Renascer de Jacarepaguá / Preste atenção no que eu vou contar / Essa sacanagem / Que estão fazendo com a naçãoAlém do auxílio moradia / Ainda por cima inventaram o mensalão"

Mesmo quando a palavra "mensalão" não aparece, como na letra de Arturo Ilha, Willians Machado, Dilcinho e João Marcos, o coração do samba pulsa contra a corrupção:

"Oh! Pai... Afastai dos caminho os omissos / A política sem compromisso / O inferno da corrupção"

Dos 28 sambas inscritos, apenas 10 não citam a palavra mensalão, preferindo utilizar "fraude" ou "corrupção". Mas a história que contam é a mesma: a que está nos jornais.

O enredo não é apenas sobre o inferno ou a crise política. Há o purgatório do dia-a-dia, a luta pela sobrevivência. E existe o paraíso, que é o carnaval brasileiro.

A escolha do samba-enredo da Renascer para 2006 começa na noite desta sexta-feira, a partir das 22h, na quadra da escola, no Largo do Tanque, Jacarepaguá.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]