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 | Daniel Caron/ Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Caron/ Gazeta do Povo

A peça que Gerald Thomas traz hoje ao Festival de Teatro, Gargólios, mantém suas cutucadas políticas, mas agora no campo internacional. Os ditadores do Oriente Médio são satirizados, numa resposta ao horror do ataque às duas torres, que ele viu da janela de casa em Nova York. As versões que estrearam em Londres ("Throats") e São Paulo foram mexidas, tanto no texto quando no elenco, que agora inclui três curitibanos (Roger Batista, Michelle Rodrigues e Jossane Ferraz) – dependurados e pingando sangue. O diretor abre o espetáculo tocando baixo. Nessa entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, concedida no hotel em que está hospedado em Curitiba, Gerald diz que um teatro que não se renova não faz sentido. Confira a seguir alguns trechos da conversa:

Você mudou alguma coisa em Gargólios desde a estreia em São Paulo?Muito, muda muito. Tem dois brasileiros agora no elenco. Eu matei dois ingleses, estão flutuando no Rio Tâmisa. E escolhi dois brasileiros que em São Paulo ficavam pendurados, a Lívia Camargo e o Diogo Pasquim. Saem Adam Napier e Lucy Nang. E o texto inteiro é novo para Curitiba. Resta muito pouca coisa da versão de São Paulo, o texto vai progredindo. Eu chamo de work in progress. Eu me canso... uma peça tem que ter uma dinâmica. Já que a gente está indo para um festival – onde, aliás, fiz a primeira edição, The Flash and Crash Days, com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. O único propósito de se fazer teatro é poder mudar dia a dia as coisas, incorporar eventos políticos que aconteceram. Por exemplo, hoje entrou o terremoto no Chile de ontem [25 de março]. Se a peça é uma coisa fechada como cinema, em que a lata é fechada e viaja, não faz sentido. Teatro é legal porque eu vou mudando de país em país. Cada vez mais os atores ingleses estão falando bobagens brasileiras e os brasileiros estão falando bobagens em inglês. A portuguesa [Maria de Lima] não tem jeito, ela só fala bobagem mesmo, porque é portuguesa, afinal de contas. Ela é ótima.

O que você acha do teatro estático, de quem não modifica suas peças?Careta, caça-níquel. Idiotas, bobos, panaca, panacão, panqueca, panquecão, crepe, crepão.

Da cena de Londres, há coisas que te influenciaram?Eu não vou ao teatro. Eu detesto teatro. Você acha que um motorista de táxi, no dia em que não trabalha, pega um táxi? No dia em que não vou ao meu teatro fazer peça, eu não vou ver peça dos outros. Não tenho o menor interesse em teatro. Eu tenho interesse em outras artes, em ciências, outras coisas. Eu já vi tudo. Tudo já foi feito.

E nesse retorno ao Brasil, desde julho, com a estreia de Gargólios em São Paulo, o que achou do teatro... que não viu?[Risos] O que eu não vi achei maravilhoso... o que eu vi já não achei tão maravilhoso. Não vou falar sobre teatro. Assim como não vou falar de política. Eu me envolvo com política americana. Só. E essa é a única política que me interessa. Mesmo a inglesa é uma chatice. Obama me interessa. E essa é uma coisa pela qual eu luto, sou ativamente membro do partido Democrata, faço textos. Fora isso, Dilma, Chávez, Cristina [Kirchner], que vivam uma vida ótima.

Em Gargólios há crítica política?Falo da Síria, dos ditadores, [Muamar] Kadafi, mortos e não mortos. É político na medida em que eu critico a nossa fixação por super-heróis que vão salvar todo mundo. E eu sou testemunha ocular da queda do World Trade Center, que pode ter sido um complô que incluiu o criminoso George W. Bush e o criminoso Dick Cheney [ex-vice-presidente dos EUA], que espero que morra amanhã, ou hoje, ou ontem. A economia americana está na merda por causa dos gastos de uma guerra que não precisava ser feita. E a guerra no Afeganistão já dura duas vezes e meia a mais que a do Vietnã. Estamos em duas guerras com toda tecnologia e não conseguem ser breves. A coisa se estende, é uma loucura. Tudo isso está ligado ao fato de os EUA se considerarem a polícia número 1 do mundo. Os aviões que atingiram as torres saíram de Boston, e voaram meia hora fora do radar. Não era para os caças terem subido e feito alguma coisa? Ninguém se mexeu, então alguém sabia e estava de acordo. Colin Powell [ex-secretário de Estado norte-americano] estava estrategicamente em Lima, no Peru.

Qual seu próximo projeto?Morrer.

E antes disso?Estou em Curitiba. Acho que foi no espetáculo Ventriloquist e Tragédia Rave, no Guairinha, em que uma atriz lê em uma carta: "Curitiba é o melhor lugar para morrer". Já que estou aqui vou aproveitar. Não sei qual o próximo projeto. Tem muitos. Uma ópera com John Paul Jones, ex-baixista do Led Zeppelin, chamada Sonata Fantasma, baseada num conto de Strindberg. Tem uma ópera com Philip [Glass], Akhnaten, que vou fazer de novo. Tem um livro com meus desenhos saindo, e um projeto com [o dramaturgo] Bob Wilson. E uma ópera baseada na vida de três gerações de Hemingways. Ernest, Gregory e John. Sou muito amigo do John, estamos trabalhando nisso. Ernest foi um americano super antiamericano, reportou com [George] Orwell sobre a Guerra Civil Espanhola. Ele teve um filho, que é o pai do John, que morreu mulher. Cortou o pênis fora, implantou seio, e um dia pirou, como muitos transexuais piram, e um dia saiu correndo por Miami nu. Foi preso [e morreu na cadeia]. A família é muito trágica. Mas peça mesmo... como eu comecei com Beckett, fiz 12 peças dele, vou tentar readaptar. Fiz com 28 anos, fazem 30. Acho interessante remontar esse homem que me deu seis anos de atenção da vida dele. Se chamará Dublin porque ele era irlandês e acabamos de chegar de lá.

Todo mundo tem medo de você...Que bom! Sou muito fraquinho. Qualquer um me derruba com um soco, mas o medo é tão grande que ninguém chega perto.

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