• Carregando...
O Limite (ao lado), de Mário Peixoto, e O Corpo Que Cai (abaixo), de Alfred Hitchcock, e, são exemplos de clássicos que foram mal recebidos pela crítica e pelo público quando foram lançados | Divulgação
O Limite (ao lado), de Mário Peixoto, e O Corpo Que Cai (abaixo), de Alfred Hitchcock, e, são exemplos de clássicos que foram mal recebidos pela crítica e pelo público quando foram lançados| Foto: Divulgação

Teoria

Clássico versus moderno

Nos estudos sobre cinema, há um uso mais teórico do adjetivo "clássico". "Quando se refere ao ‘cinema clássico’, ou à ‘decupagem clássica’, o termo define uma narrativa fluente, realista, ilusionista, em que a câmera é ‘invisível", tal como praticada nos filmes hollywoodianos dos anos 20 aos 40", explica o crítico José Geraldo Couto.

A esse cinema dito "clássico" contrapõe-se o cinema "moderno", surgido com o neorrealismo (de filmes como Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rosselllini), por um lado, e por Orson Welles (em Cidadão Kane e Soberba), por outro, ou seja, filmes que não seguem as regras da narrativa clássica e instauram um outro tipo de relação com o espectador, muitas vezes deixando claro que se trata de um filme, chegando até mesmo a dialogar diretamente com o espectador. (PC)

  • O
  • Terra do Sonho Distante, de Elia Kazan: supervalorizado pelos críticos e hoje esquecido

Nenhum filme nasce clássico. Cabe ao tempo relegá-lo ao esquecimento, ou dele resgatá-lo. Ainda que um título seja uma unanimidade de crítica quando é lançado, isso não significa que, dali a dez, 20 anos, ainda será lembrado e até mesmo considerado uma obra relevante. Por outro lado, há longas-metragens recebidos com frieza, até desprezo, quando chegam ao cinemas, e acabam redescobertos.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o jornalista José Geraldo Couto, crítico de cinema da revista Carta Capital, cita o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1996) para tentar decifrar esse enigma. "Ele dizia que um clássico não é um livro escrito de uma certa maneira, mas sim um livro lido de uma certa maneira. Penso que o mesmo se aplica aos filmes."

O que Couto pretende dizer ao se referir a essa frase do autor de O Aleph, é que um filme, para ser alçado à condição de referência, não depende apenas de suas qualidades estéticas, mas da forma como é recebido, visto e interpretado, tanto pela crítica quanto pelo meio acadêmico e o público. "Existe um uso indiscriminado da palavra 'clássico' para se referir aos filmes que atingiram um certo patamar de qualidade, ou de impacto, ou de significação cultural. Nesse sentido, o que define o uso do termo é sobretudo a recepção do filme, o prestígio que ele adquiriu ao longo dos anos. Assim, até mesmo um filme experimental ou 'marginal' como O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, pode hoje ser chamado de clássico sem que isso escandalize ninguém", diz o jornalista.

Hitchcock

O cineasta Fernando Severo, diretor do Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS), também concorda que o grande juiz no processo de transformação de um longa-metragem em clássico é mesmo o tempo. "É o mais rigoroso dos críticos. É um processo imprevisível e incontrolável, já que obras incensadas em sua época desaparecem quase por completo, enquanto outras mais obscuras reemergem com o status de clássicos redescobertos. A permanência de um filme no imaginário popular ou sua aparição sistemática como referência crítica são critérios que podem categorizá-lo como clássico do cinema."

Para exemplificar seu ponto de vista, Severo, que no dia 11 de março lança o longa Corpos Celestes, codirigido pelo curitibano Marcos Jorge, cita Um Corpo Que Cai (1958), de Alfred Hitchcock, que classifica como um clássico tardio. "Recebido no lançamento com indiferença pela crítica norte-americana e fracasso de bilheteria para os padrões do diretor, foi gradualmente sendo redescoberto e hoje frequenta a maioria das listas de melhores filmes de todos os tempos." O cineasta também lembra de Limite (1931), de Mário Peixoto, que foi um fracasso de bilheteria e desprezado pela imprensa especializada. "Depois de restaurado e conhecido pelas novas gerações se impôs como obra-prima indiscutível do cinema brasileiro, tornando-se nosso maior clássico."

No sentido contrário, de obras que foram festejadas na época que chegaram aos cinemas, mas acabaram esquecidas, Severo cita Terra do Sonho Distante (1963), de Elia Kazan, eleito "o melhor filme de todos os tempos" numa enquete feita pela revista Filme Culturaentre os críticos brasileiros nos anos 60. "Hoje em dia, é um filme raramente mencionado. Quando se fala em filmes do Kazan, lembramos de Sindicato de Ladrões ou Vidas Amargas, estes sim clássicos indiscutíveis."

O cineasta e crítico de cinema carioca Eduardo Souza Lima, que por muitos anos assinou textos para o jornal O Globo e hoje é um dos editores da revista virtual Zé Pereira (http://www.revistazepereira.com.br), arremata a discussão dizendo "que clássica é a obra que nasce atemporal, que se comunica em qualquer tempo, tanto filosoficamente quanto esteticamente".

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]