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Leites: "Na feira, chinelo  é quase sempre utilitário, mas não na minha banca" | Katia Horn/Divulgação
Leites: "Na feira, chinelo é quase sempre utilitário, mas não na minha banca"| Foto: Katia Horn/Divulgação

Quem conhece a banca de Hélio Leites na Feirinha do Largo da Or­­dem, sabe que suas miniaturas feitas de "insignificâncias" – palitos de sorvete, caixinhas de fósforo, latas e outras sucatas – nunca andam desacompanhadas. Estão sempre de braços dados com uma história ou um poema recitados pelo próprio artista.

Uma publicação, então, seria capaz de dar conta das tantas significâncias de uma obra tão calcada na oralidade? Esse foi o grande desafio vencido por Hélio Leites ao realizar Mínimos, um registro da "memória do artesão" que será lançado hoje, às 19 horas, na Caixa Cultural Curitiba.

"Toda a arte de Hélio tem enredo e se move", escreve a jornalista Adélia Maria Lopes, que acompanha a obra do artista há mais de 30 anos. Por isso, se livro não fala, o jeito foi abusar da criatividade – que, aliás, não falta a este bancário aposentado que, cansado de ca­­rimbar cheques devolvidos por 25 anos, resolveu procurar outro emprego dentro de si mesmo. "Para um aparelhinho que pisca, que ri e que chora, ser bancário é um desserviço para o espírito. E como o espírito evolui? Pela carne, pelas nossas atitudes, ações", diz.

Para dar conta da tridimensionalidade da obra de Hélio Leites, a artista gráfica Adriana Alegria elaborou dobraduras e a artista e amiga Kátia Horn fotografou cada peça sob vários ângulos. As miniaturas – escolhidas por Hélio entre aquelas que ele não vende de jeito ne­­nhum – são precedidas de uma descrição, de um "enredo" e de uma "poética".

O oratório "Canonização de Santa Helena Kolody", por exemplo, feito com palitos e caixinhas de fósforos, entre outros materiais, vem acompanhado de um verso inspirado na desaprovação de uma senhora. "Ela me disse: 'Você não pode canonizar pessoas, só a Igreja'", conta. Ao que ele rebateu: "Pra canonizar pessoas/É preciso milagres. Pra canonizar poetas, apenas poemas". A própria poeta paranaense, aliás, escreveu sobre ele na introdução de um livro: "Cruza de bancário e artista/ o Hélio faz malabarismos/ semeia flores de vogais/ nos canteiros de algarismos".

E, afinal, o fundador do Museu Casa do Botão em 1984, instituição que cabe numa mala e que o acompanha por onde anda, se considera artista ou artesão? "Gosto de me considerar artesão. Nas artes tem muita gente policiando o que você está fazendo, não pode repetir tema. No artesanato, há liberdade. Você faz Adão e Eva do jeito que quer, muda a fruta."

Ele agora é artesão acadêmico. Brinca que criou o "artesanato universitário", assim como há o forró universitário, quando se matriculou na Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap). "Muita gente me dizia: 'Cuidado para a escola não te estragar'. Convivi com artistas e professores, mas saí intacto, continuo fazendo caixinha de fósforo. Quando se estuda depois de velho – no meu caso, depois de Hélio –, tem-se uma visão mais crítica da coisa. Seu trabalho já está sedimentado."

Muita gente pergunta ao Hélio por que ele não sai de Curitiba. "Em São Paulo, serei um maluco a mais naquela poluição toda. Meu trabalho tem a ver com minha cidade, tenho uma visão crítica sobre as coisas daqui". E exemplifica: "Não tem a campanha do lixo que não é lixo? Quando minha mãe joga a lata de milho no lixo, eu me humilho, vou lá e pego."

Neste ponto da conversa, ele pede para agradecer àqueles que lhe doam suas "insignificâncias", como a lata de graxa de sapato vazia que virou o presépio "Brilho Máximo". "Dou sentido novo para o lixo. Já ganho meu salário como aposentado, então, meu objetivo não é vender, mas consertar o mundo. Fazemos isso criando pontes entre pessoas", diz o artista, que gosta de contar histórias no postinho, no clube da terceira idade e, principalmente, nas escolas perto de casa. Afinal, são as crianças quem mais entendem seu trabalho. "A gente fica preocupado com o rabo do cometa e esquece de olhar para o lado", diz.

Serviço:

Mínimos. Lançamento na Caixa Cultural (R. Cons. Laurindo, 280), (41) 2118-5111. Hoje, às 19 horas.

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