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Há uma simplicidade no texto que pode passar a ideia enganosa de que é fácil o que Conan Doyle fez (para ele, é até provável que tenha sido). No entanto, usar uma estrutura descomplicada para construir um todo engenhoso é feito de mestre. No mesmo texto, Le Carré continua: "O que vemos (...) é uma espécie de perfeição narrativa: uma interação perfeita entre diálogo e descrição, caracterização perfeita e timing perfeito. (...) A modéstia da linguagem de Doyle esconde um profundo reconhecimento da complexidade humana". Percebeu quantos "perfeitos" Le Carré usou?

A Linguagem de Conan Doyle é a soma do que ele diz com o modo que usa para dizê-lo. Como acontece com certas pinturas, você precisa de perspectiva para reconhecer e apreciar uma aventura narrada pelo médico John Watson (em 56 dos 60 episódios é o parceiro de Holmes que fala ao leitor, três foram narrados pelo próprio detetive e um, apresentado na terceira pessoa). Leia só um trecho ou uma página e não terá noção do que se passa, mas, ao terminar um conto ou um romance – como se recuasse três passos a fim de ver melhor o quadro –, o universo habitado por Holmes se torna visível, para não dizer palpável.

O valor da Biblioteca Sherlock Holmes está, exatamente, nos textos. Quem vê um filme no cinema ou uma série de tevê arranha apenas a superfície da obra. As produções audiovisuais emprestam o nome e algumas características indefectíveis do personagem célebre, mas fazem com eles o que bem entendem. Mesmo um bom filme como a nova versão para o cinema, de 2009, com Robert Downey Jr. no papel de Holmes e Jude Law no de Watson, está muito, muito distante da obra original.

O mesmo vale para a série de tevê Sherlock, recém-lançada pelo canal britânico BBC, ainda inédita na tevê brasileira. Holmes rejuvenesceu uns 30 anos, largou a cocaína e o cigarro, virou adepto de adesivos de nicotina, é obcecado por mensagens de texto enviadas por celular e tem uma aparência meio andrógina. Ainda faz deduções, mas tem muito pouco a ver com seu correspondente literário. A única forma de saber por que Sherlock ainda vive é, afinal, por meio da leitura.

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