• Carregando...

São Paulo – A escritora canadense Alice Munro, 75 anos completados semana passada, não é um nome exatamente popular entre leitores brasileiros. Só um livro dela em português podia ser encontrado até pouco tempo nas livrarias (Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento, Ed. Globo, 2004, R$ 49). Coincidindo com seu aniversário, a editora Companhia das Letras acaba de lançar Fugitiva (390 págs., R$ 45), mais uma coletânea de contos, gênero que a consagrou. A autora é considerada por John Updike, Cynthia Ozick e Jonathan Franzen uma das melhores da América do Norte – a "melhor", segundo o último.

Não há exagero nem mesmo no superlativo de Franzen. Ler Alice Munro é uma experiência fascinante. Ela parece estar sempre contando a mesma história sobre gente chucra do meio rural canadense, mas surpreende pela ameaça que emerge a cada parágrafo, tirando o fôlego do leitor.

Fugitiva é uma obra típica de Alice Munro. Publicada há dois anos no Canadá e nos EUA, a coletânea precede o lançamento de The View from the Castle (ainda não traduzido), que deve ser seu último livro. Alice Munro anuncia que vai parar de escrever, apesar dos prêmios acumulados em sua brilhante carreira – três vezes ganhadora do Governor General’s Award, ela recebeu o Giller Prize por Fugitiva e um elogio definitivo do jornal The Times, de Londres: "Depois de ler seus contos, fica difícil lembrar por que alguém inventou a novela."

Alice Munro não se imagina escrevendo uma novela. Sua justificativa: "Nunca pensei numa forma particular de literatura mas, ao mesmo tempo, sei que rompo com a disciplina do conto e ignoro as regras de progressão das novelas." O primeiro conto de Fugitiva, que dá título ao livro, é prova evidente dessa saudável indisciplina. Quando o leitor imagina que a história vai numa direção, ela toma um rumo totalmente diverso, deixando-o com a sensação estranha de que outro narrador passou a contar a história, após inúmeras interrupções e divagações dos personagens.

O conto é aterrador. Reúne um casal em crise (financeira e amorosa) que planeja extorquir dinheiro de uma vizinha numa pequena cidade rural canadense. A mulher decide abandonar o marido e conta com a ajuda da vizinha, a senhora Jamieson, provavelmente uma ex-hippie que plantava maconha no quintal e escondia dinheiro em potes de vidro enterrados. Sabemos também que ficou viúva e acaba de chegar de férias da Grécia. Finalmente, o elo entre a senhora Jamieson e o casal Clark e Carla é a cabrinha branca Flora, companheira de estábulo de alguns cavalos pertencentes aos últimos. A cabra sumiu. É por meio de sua visão fantasmática que a vida desse trio se transforma.

Upidke diz que Alice Munro é a grande herdeira da tradição americana. Faulkner é com freqüência associado a seu nome, mas ela se reconhece mesmo em William Maxwell e William Trevor. Nega, porém, o caráter autobiográfico desses contos, a maior parte das vezes ambientados em Clinton, Ontario, região onde Alice Munro nasceu (e viveu a vida toda). Se essas histórias se parecem, isso se deve ao fato de as cidadezinhas do interior canadense conduzirem seus habitantes a uma intimidade forçada, obrigando-os a "desempenhar um papel", condenando-os a "não saber o que significa privacidade".

Sexo e violência são quase irmãos siameses nessas histórias (especialmente no conto "Vândalos", do livro Open Secrets), mas isso não faz de Alice Munro "virtuosa ou vítima", como diz John Updike. "Ela é simplesmente vital", define.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]