• Carregando...
Debra Winger e John Malkovich estrelam a adaptação de O Céu Que Nos Protege | Divulgação
Debra Winger e John Malkovich estrelam a adaptação de O Céu Que Nos Protege| Foto: Divulgação
  • Apesar de sociável, Paul Bowles era famoso por seu distanciamento dos outros

Nova York - O primeiro e melhor romance de Paul Bowles, O Céu Que Nos Protege, publicado há 60 anos e agora relançado no Brasil pela Alfaguara, foi um livro que poucos pressentiram. Seu autor ficou mais conhecido como compositor. A editora Doubleday, que tinha pago Bowles adiantado, rejeitou o manuscrito dizendo que não era um romance: "Se não é um romance", Bowles respondeu zangado, "eu não sei o que é".

Quando o livro apareceu, no outono de 1949 (foi finalmente lançado pela New Directions), ninguém sabia ao certo o que fazer com ele. Mas eles sabiam que essa história austera e frugal sobre um jovem casal de Nova York que ia de cidade em cidade no deserto do norte da África inaugurava um novo tom na voz americana.

Tennessee William analisou o O Céu Que Nos Protege na crítica de livros do The New York Times e escreveu que "ele proporciona ao leitor uma repentina e surpreendente comunhão com um talento de verdadeira maturidade e sofisticação, o que eu começava temer que só seria possível hoje em dia entre os romancista insurgentes da França, como Jean Genet, Albert Camus e Jean-Paul Sartre".

Norman Mailer percebeu os sinistros subtons no trabalho de Bowles, ao escrever em Advertisements for Myself (anúncios para mim): "Paul Bowles abriu o mundo moderno. Deixou entrar o homicídio, as drogas, o incesto, a morte do quadrado" ..., o chamado à orgia, o fim da civilização." O próximo outono vai marcar um duplo aniversário para Bowles, não só o 60.º aniversário de O Céu Que Nos Protege, mas também o décimo aniversário de sua morte, aos 88 anos, em 1999.

Não dá para evitar o desejo que ele tivesse vivido mais. Se isso tivesse acontecido, nós saberíamos o que Bowles – um antigo residente da cidade marroquina de Tangier e o escritor que fez mais que qualquer outro no último século para apresentar o mundo árabe aos americanos – teria pensado sobre os fatos do 11 de setembro.

Bowles foi uma figura evasiva durante toda sua vida, e continua quase tão distante até hoje. Mas sua influência é ainda profundamente sentida. Uma década após sua morte seus êxitos como escritor, assim como as faltas que afligem mesmo seus melhores trabalhos, merecem ser reexaminados.

Biografia

Bowles nasceu no Queens em 1910 e graduou-se pela Jamaica High School. Seu pai, um disciplinador severo, era dentista. Começou compondo música antes dos 10 anos de idade. Quando tinha 16 começou a publicar poesia de transição, literatura da língua inglesa e revistas de arte de Paris.

Em 1928 Bowles matriculou-se na Universidade da Virgínia, mas não gostou. A vontade de viajar já o havia atingido. De acordo com sua biógrafa, Virginia Spencer Carr, cujo livro de 2004, Paul Bowles: a Life, foi reeditado este ano pela Northwestern University Press, um dia ele sentou em seu quarto em Charlottesville, quando era calouro, e jogou uma moeda. Cara, ele partiria para a Europa assim que possível. Coroa, ele tomaria uma overdose de pílulas e não deixaria nem um bilhete. Saiu cara.

Bowles era charmoso e atraente e, rapidamente, parecia encontrar, tanto em casa ou no estrangeiro, todos que interessavam, incluindo Gertrude Stein e Christopher Isherwood. O compositor Aaron Copland colocou-o embaixo de sua asa e o ajudou em sua carreira musical. Bowles era bisexual e os dois também tiveram um envolvimento.

Em 1938, Bowles casou com a eloquente Jane Auer que, como Jane Bowles, publicou seu único romance, Two Serious Ladies (duas senhoras sérias), cinco anos depois. Ele tinha inveja da liberdade dela: ela só precisava de uma máquina de escrever para trabalhar durante as viagens; ele necessitava de um piano. Ele também começou a escrever, publicando os contos que o levaram ao Céu Que Nos Protege.

Apelidos

O glamouroso casal vivia como gatos exóticos, juntos mas separados. Jane Bowles também era bisexual e tinha parceiras mulheres. "Nós sabíamos que nos amávamos não importa quem mais estivesse em nossas vidas," Paul Bowles explicou. Entre os apelidos que ela dava a ele, havia Bupple e Gloompot .

Gloompot (pote de tristeza) não é um a má descrição do autor de O Céu Que Nos Protege. Apesar de sociável, Bowles era famoso por seu distanciamento, e suas qualidades foram transmitidas ao protagonista do romance, Port Moresby. Moresby não era do tipo de ficar entusiasmado. Era do tipo de pessoa, Bowles escreve, que "se perturba ao testemunhar sua própria agitação interior".

O perfil de Bowles nem sempre conquistava admiradores. Ger­trude Stein o considerava "o mais difícil, insensível e autoindulgente jovem" que ela já tinha visto. Bowles não parecia se importar com as críticas, pessoais ou profissionais. "Ninguém pode me insultar suficientemente para o meu gosto", disse uma vez. "Acho que todos nós florescemos na hostilidade porque é a massagem mais intensa que o ego aguenta. A indiferença é o único horror".

Reler O Céu Que Nos Protege hoje em dia é relembrar o seu sombrio e grandemente sublimado poder. Desde suas primeiras páginas, o romance é como uma monte de lenha próximo a um fósforo aceso. A prosa bronzeada de Bowles, embora nunca ostensiva, é consiste e desreguladamente evocativa. A vegetação da África do norte é descrita como "um arbusto tortuoso de casca dura e espinhos afiados que cobrem a terra como uma odiosa excrecência".

Seus personagens podem ser, até certo ponto, indistintos, mas são fortes, argutos e fiéis a si mesmos. Foi uma audácia de Bowles matar Moresby bem antes da história terminar.

Os defeitos do livro são bem aparentes. Transforma os personagens que ele não admira em grotescas caricaturas e o mundo que ele cria pode ser pretensioso e pomposo, despido de humor. O Céu Que Nos Protege está tão vivo hoje, como estava em 1949.

Muitos intelectuais não têm tempo para Bowles, que acusam de escrever baseado em seu subconsciente. "Eu nunca fui um pensador", disse ele a um entrevistador da Paris Review. "Uma parte de mim escreve, e Deus sabe o que a outra parte está fazendo. Eu acho que está escavando o subconsciente, revirando o lodo".

Quando ficava emperrado numa cena importante em O Céu Que Nos Protege, Bowles usava haxixe, que o ajudava a continuar escrevendo. Bowles ficou bem famoso por seu consumo de cannabis, que foi uma das coisas que levou os escritores beats como Allen Ginsberg e William Burroughs a Tangier nos anos 50 e 60.

Bowles tinha problemas com os beats. "Cada vez mais se vê barbas e jeans surrados e as garotas parecem que fugiram de um asilo de lunáticos", escreveu em 1961.

O melhor trabalho de Bowles continua obscuro. "Se eu enfatizo os vários aspectos da infelicidade é porque eu acredito que a infelicidade deve ser estudada cuidadosamente", declarou a um entrevistador. "Certamente essa não é a época de ninguém fingir que é feliz ou esconder a infelicidade no canto escuro. Você tem que observar seu universo quando ele quebra sobre sua cabeça."

Serviço

O Céu Que Nos Protege, de Paul owles. Alfaguara, 272 págs., R$ 43,90.

Tradução de Márcia Saliba.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]