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Faichecleres: banda agora conta com um novo baixista, Ricardo Junior (primeiro à direita). | Divulgação
Faichecleres: banda agora conta com um novo baixista, Ricardo Junior (primeiro à direita).| Foto: Divulgação

Inês Pedrosa escreve contos por encomenda. A convite de revistas, na maioria das vezes. Quando encontrou uma melodia comum em 12 de seus escritos – "a música subterrânea dos afetos desencontrados, perdidos, tresnoitados" –, uniu-os em seu primeiro livro do gênero, Fica Comigo Esta Noite.

A voz poética e imaginativa de Inês cria contos de atmosferas densas, que convidam à imersão. O gênero, para a autora, "caça um retalho da realidade ou do sonho e o faz cintilar de uma forma nova". Sua prosa cultiva o mesmo intimismo e subjetividade consagrados nos romances Nas Tuas Mãos (vencedor do prêmio Máxima de Literatura, em 1997) e Fazes-Me Falta (2002), ambos publicados no país pela editora Planeta.

A Fica Comigo Esta Noite não falta sensibilidade, nem auto-reflexão. É daqueles livros que se devora de uma única vez, inebriado pela riqueza sentimental e sensorial que aflora.

Os contos confessionais apresentam dramas revelados aos poucos, num permanente surpreender do leitor, que presencia a exposição dos protagonistas como se estivessem em divãs, enquanto os personagens, entre si, sustentam a máscara do silêncio.

A atenção a cada história se renova pela variedade dos dramas. Cada personagem é uma personalidade nova, movida por um desejo particular e atormentada por distintas fraquezas. Amores carnais, eróticos e profundos, amáveis e dilacerantes, preeenchem as páginas com o clamor da presença do outro – aquele que faz a vida pulsar. As histórias tratam de sentir-se vivo pela paixão e encontrar-se com desejos e angústias tantas vezes disfarçados.

A autora prefere não diferenciar as situações internas e externas que a inspiram a criar. "Às vezes o conto é desencadeado por uma notícia de jornal, às vezes por uma linha de um poema, uma frase musical", conta.

Inês desnuda principalmente mulheres, em suas carências e conflitos interiores, à procura dos sentimentos menos previsíveis.

No conto "Só Sexo", por exemplo, a protagonista assume ter um casamento e uma família felizes, o que não lhe cessa a vontade de reviver uma relação anterior, fundada no contato com o corpo do amante. Na história que dá título ao livro, os protagonistas são pai e filho, e a solidão ganha sua face masculina. Uma das narrativas mais surpreendentes e intensas é "A Cabeleireira", exemplar perfeito de como a escritora solta pouco a pouco as informações sobre seus personagens para aumentar-lhes o impacto.

Há um universo simbólico em Fica Comigo Esta Noite que remete à fronteira entre os contos de Lygia Fagundes Telles e o livro Laços de Família, de Clarice Lispector. Desta, a escritora portuguesa é admiradora confessa – assim como o é de Caetano Veloso e Chico Buarque. Inês, entretanto, irrita-se com a possibilidade de ser enquadrada em uma "literatura feminina". "Um bom escritor tem que ser hermafrodita", diz. "O que entendemos por ‘feminino’ e ‘masculino’ são apenas clichês culturais, grosseiros e equivocados, ou seja, anti-literários".

Inês compartilha com Clarice Lispector mais uma característica: a recusa em reler os textos que já publicou. "Eu sou muito pouco dada a análises retrospectivas", diz. Fica Comigo Esta Noite, contudo, ganhou uma segunda leitura há dois anos, quando nove dos contos foram adaptados para o teatro na peça Doze Mulheres e Uma Cadela, encenada em Portugal. Alterar o que escreveu após a releitura, porém, é coisa que a portuguesa não cogita. A versão do livro que chega às prateleiras tupiniquins agora é a mesma recebida pelos lusitanos quatro anos atrás.

Serviço – Fica Comigo Esta Noite (Planeta, 160 págs., R$35).

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