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 | Ilustração: Robson Vilalba / Gazeta do Povo
| Foto: Ilustração: Robson Vilalba / Gazeta do Povo

10 anos

é a média de tempo que o escritor norte-americano Jeffrey Eugenides, vencedor do Prêmio Pulitzer, demora para escrever um novo romance.

  • Romance:A Trama do Casamento. Jeffrey Eugenides. Tradução de Caetano Waldrigues Galindo. Companhia das Letras. 440 págs., R$ 46

Jeffrey Eugenides tem a aparência de um feiticeiro. Talvez seja a calva combinada com o cavanhaque. Ou então a camisa psicodélica com colete preto. De qualquer jeito, ele tem a cara de alguém que sabe truques fundamentais para colocar o leitor em um tipo de transe: uma vez que você começa a ler um livro de Eugenides, é difícil parar.

E não existem muitos deles. Com o mais recente, somam três romances. A Trama do Casamento, traduzido pelo curitibano Caetano Waldrigues Galindo para a Companhia das Letras, acaba de ser publicado. Nos Estados Unidos, ele se prepara para lançar uma antologia de contos, no ano que vem.

O livro de estreia de Eugenides, As Virgens Suicidas, saiu em 1993 e virou filme em 1999, adaptado e dirigido por Sofia Coppola. Narrada em primeira pessoa do plural (o que é incomum), a história se desenvolve em torno das filhas da família Lisbon. Deprimidas e exasperadas com regras impostas pelos pais superprotetores, uma a uma, as garotas cometem suicídio e deixam a cidade estupefata.

Middlesex veio nove anos depois e, com ele, o autor venceu o Prêmio Pulitzer de romance. O narrador é também narradora – porque hermafrodita –, um personagem incrível com que o escritor discorre sobre amor, desejo e sexo.

Eugenides levou outros nove anos para publicar a Trama do Casamento e pronto. O tempo que leva para escrever bastou para sedimentar em torno dele a ideia de que não é um escritor qualquer. Ele é especial. Ele passa quase uma década debruçado sobre uma história.

O engraçado é ver o próprio autor fazendo pouco de suas dificuldades. Em um dos muitos programas de que participou para promover o livro novo, a apresentador fala do seu "ritmo muito peculiar de escrita". E Eugenides o interrompe no meio da frase, dizendo: "...conhecido como ‘lentidão’".

O fato é que o escritor diz sofrer um bocado por demorar tanto. Ele chegou a jogar fora mais de dois anos de trabalho até encontrar o rumo da Trama do Casamento. Sem mencionar que a espera, da parte do leitores, só faz aumentar a expectativa, algo que parece ter influenciado parte da recepção dada ao romance, nos EUA, no ano passado.

Confira a seguir, duas impressões diferentes sobre A Trama do Casamento.

A todos os barbados que têm coração

Irinêo Baptista Netto, repórter da Gazeta do Povo

O personagem mais romântico de A Trama do Casamento é um homem e não uma mulher. Isso é o escritor Jeffrey Eugenides fazendo justiça a todos os barbados que têm coração.

Mitchell Grammaticus é um estudante aplicado e tímido que tem uma queda por Madeleine Hanna – pior que isso, ele a idealiza. Os dois ficaram juntos por acaso numa noite porque ela estava num momento ruim, se sentindo carente e perdida.

Embora a "relação" não tenha evoluído, ele ficou ainda mais interessado na garota viciada em romances do século 19, livrões conhecidos por explorar, em suas tramas, quem vai casar com quem e por quê. Uma mestra em arquitetar enredos com essa estrutura é Jane Austen (1775-1817), autora de Razão e Sensibilidade (ou Razão e Sentimento, dependendo da edição brasileira).

Madeleine não poderia se importar menos com Mitchell e seguiu com a vida, se envolvendo com Leonard Bankhead, sujeito inteligente e desleixado que conheceu numa aula de Semiótica. Ele sofre de transtorno bipolar, mas ela ainda não sabe disso.

Até pelos interesses literários de Madeleine, você passa um tempo imaginando que ela deveria ser a figura romântica da história. Uma mulher que sonha com o homem perfeito para o casamento ideal. Mas não. Uma das qualidades de A Trama do Casamento é, exatamente, a capacidade que os personagens têm de surpreender.

A ação se passa nos anos 80 e lembra as comédias românticas feitas pelo cinema de então, não só por ser da mesma época, mas também por retratar o ambiente universitário e os encontros e desencontros amorosos de jovens a um passo da vida adulta.

Ainda que sua história ocorra 30 anos atrás, Eugenides fala de um tipo de homem que anda por aí em 2012 e não sabe direito o seu lugar. Essa figura é descrita por psicanalistas (Contardo Calligaris), filósofos (Pascal Bruckner), outros escritores (Michael Chabon) e diretores de cinema (Derek Cianfrance).

Um homem que se sente confuso e está preocupado com o sentido das coisas. Sensível, mas não muito, tosco, mas não demais. Um homem enfrentando uma crise de valores, à procura de um papel para desempenhar – ele, que deixou a ideia antiquada do provedor da família para se tornar uma das engrenagens dela, ainda não sabe o quanto vai custar essa mudança.

Esse homem é alguém como Mitchell Grammaticus, preocupado com "atração intelectual" e não só com levar a menina para a cama. Num dia lá, ele pode até dormir com a garota e sair da experiência entendendo, quase que por milagre, que alguns afetos existem para colocá-lo no caminho certo, mesmo que a relação termine e ele se veja sozinho para percorrê-lo. GGGG

A todas as heroínas da era feminista

Juliana Girardi, repórter da Gazeta do Povo

"A necessidade desse livro se apoia na seguinte consideração: o discurso amoroso é hoje em dia de uma extrema solidão." A frase, que dá início a Fragmentos de um Discurso Amoroso, obra do semiólogo francês Roland Barthes (1915-1980), caiu como uma bomba no colo da jovem estudante de Inglês Madeleine Hanna, protagonista de A Trama do Casamento, de Jeffrey Eugenides.

Colocando em dia a leitura para um curso de Semiótica, de pijamas e óculos embaçados, numa sexta-feira à noite em que comia manteiga de amendoim diretamente do pote, Madeleine chocou-se ao perceber seu estado de extrema solidão ao devorar as primeiras páginas da obra-prima de Barthes.

Aos 22 anos, moradora de um castelo neorromânico e consumidora voraz de romances vitorianos, Madeleine sempre fora popular na escola, mas agora, na universidade, sentia que não aproveitava a juventude e a solteirice com a mesma intensidade de suas colegas de apartamento.

Até reparar na presença do misterioso Leonard Bankhead em sua classe de Semiótica. Grande, alto e mastigador de tabaco, Leonard a fazia sentir "como uma princesa ao lado de um gigante gentil". Madeleine, que em ocasiões sociais bebia martínis com a elegância aristocrática dos personagens de J. D. Salinger, se entregou à paixão por Leonard após uma sessão de Amarcord, de Fellini. Ao detectar um certo ar de orfandade no apartamento do namorado, entregou-se de vez ao amor. E ao descobrir que o amado era portador de um sério transtorno mental, incluiu nesse pacote a generosidade típica dos Hanna, mesmo que, instintivamente, sempre tivesse evitado se relacionar com pessoas instáveis.

Durante esse tempo, Madeleine se deu conta de que nunca havia se sentido tão sozinha. A "extrema solidão" descrita por Barthes era o que a dominava sempre que se apaixonava. Para ela, esse estado representava o amor e o que havia de errado com ele.

Se o franzino amigo Mitchell Grammaticus não era homem o suficiente para ela – era impossível ter amigos homens: ou eles acabavam querendo alguma coisa, ou já queriam algo desde o início e se passavam por amigos para consegui-lo – o "gigante" Leonard revelou-se mais frágil e menos protetor do que ela podia suportar.

Ao fim do romance, enquanto Leonard e Mitchell permanecem embrenhados em seus conflitos pessoais, Madeleine é a única a sair da história com uma conclusão concreta. Seus desencontros amorosos comprovam a tese de um de seus professores: a igualdade sexual, boa para as mulheres, fez mal ao romance. A "trama do casamento" jamais poderia ser construída em torno de uma heroína da era feminista. GGGG

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