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"Guardamos as coisas em caixas, caixinhas, caixões", diz Gabriel (per­­sonagem de Fernando Pro­­ença), um dos irmãos enlutados pela perda do pai na peça O Inven­­tário de Nada Benjamin, que estreia hoje no Teatro Novelas Curiti­­ba­­nas. A frase é uma constatação simples e prática do cotidiano. Mas é, também, um lembrete de que a vida está impregnada de uma sensação de vazio. Maior se diante da morte. "Eu vou desaparecer, as pessoas vão desaparecer", lembra o ator Eduardo Giacomini. Essa inquietação crucial motivou a companhia Obragem a dar seguimento à trilogia do luto iniciada por Passos, em 2008, tratando, naquela ocasião, da incapacidade de um casal dizer adeus ao filho.

"A gente sentia que tinha muito conteúdo para ser elaborado ainda", recorda a autora, diretora e atriz Olga Nenevê, que vem desenvolvendo uma dramaturgia fundada nas imagens mais do que nas palavras, e em um diálogo com o cinema e as artes visuais.

Além de assinar o texto, Olga propõe os caminhos a serem ex­­plorados pela companhia. Geral­­mente, em direção às relações familiares e à afetividade. O pretexto, desta vez, gira em torno de uma pequena família impactada pela morte do pai/marido, e entretida com seu inventário, mais no sentido simbólico do que material. O que resta de Nada Benjamim é apenas uma casa vazia. "De que tipo de coisa vocês precisam para lembrar do pai de vocês?", indaga a mãe aos filhos.

Embora seja "a protagonista", na visão de Giacomini, a mãe está sempre de passagem. Ela foi "desaparecendo" durante os ensaios, quando o texto preconcebido se submeteu a uma dinâmica mais colaborativa, em que todos os integrantes improvisavam ações. Disso resultou uma narrativa fragmentada e ricamente simbólica, repleta de vãos, intenções e não-ditos que o espectador está livre para preencher de sentidos.

Um pano branco toma conta do espaço cênico. Com ele, os irmãos inventam fronteiras, constroem barreiras contra as quais os afetos não avançam. Descontam no tecido suas ansiedades e estendem-no para erguer paredes onde suas fotografias da infância são projetadas. Como as imagens do passado não permanecem intactas à me­­mória, os rostos são adultos.

Acostumada a propor desafios físicos que obriguem os atores a criar um novo vocabulário de movimentação, Olga levou aos ensaios, de início, um pano preto levíssimo, inspirado em um retrato de guerra de uma mãe cobrindo o filho morto. Foi substituído pelo imenso tecido branco, numa referência à obra do búlgaro Javacheff Christo, artista célebre por embrulhar monumentos como A Pont Neuf (1985), em Paris. A troca da cor destituiu o tom de tragédia em favor de uma atmosfera mais luminosa.

Serviço: O Inventário de Nada Benjamin. Teatro Novelas Curitibanas (Rua Carlos Cavalcanti 1222), (41) 3321-3358. Quinta a sábado às 21 horas e domingo às 19 horas. Ingresso é uma lata em pó. Até 18 de outubro.

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