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O Oitavo Dia: comédia de Van Dormael é uma fábula sobre amizade e a redescoberta da espontaneidade nas pequenas coisas | Divulgação
O Oitavo Dia: comédia de Van Dormael é uma fábula sobre amizade e a redescoberta da espontaneidade nas pequenas coisas| Foto: Divulgação

Na versão de Georges, a criação do mundo foge um pouco da noção geral. No começo, o personagem de O Oitavo Dia, comédia falada em francês que sai agora em DVD, diz que não havia nada, até Deus criar a música. Depois, lá pelo terceiro ou quarto dia, Ele criou a televisão. Em seguida, foi a grama e as árvores.

Georges tem síndrome de Down, vive numa espécie de asilo desde a morte da mãe e, aparentemente, não tem fa­­mília nenhuma. Com a chegada do fim de semana, vendo todos os companheiros saírem para passar dias ao lado dos parentes, ele arruma as malas, põe sua melhor roupa e fica de pé na entrada do lugar esperando a mãe chegar. Um dos responsáveis pela instituição, com uma expressão triste, pede para Georges voltar para dentro.

Ele ignora o sujeito, pega a mala e sai caminhando pela estrada acompanhado de um cachorro e obedecendo o sentido da seta pintada no asfalto.

Corta para Harry (que os franceses pronunciam "arrí"), executivo cujo trabalho é fazer palestras motivacionais em empresas. Ele é o tipo de homem que sorri de manhã para o seu reflexo no espelho e diz "você é um sucesso!". Essa é a primeira impressão.

Em poucos minutos, se descobre que Harry tem problemas em casa, a mulher não o ama mais – ela sai de casa com as duas filhas sem maiores explicações –, o trabalho o exaspera e ele, enfim, está longe de ser "um sucesso", seja lá o que a palavra signifique.

Ele pega o carro e parte rumo à casa da sogra, determinado a ver as filhas. Chegando lá, não tem coragem para se aproximar delas porque nunca cumpre as promessas que faz. Volta embora pela estrada e atropela um cachorro. O cachorro que acompanhava Georges.

É um encontro improvável numa história cheia de lances bizarros e mágicos, vários deles inexplicáveis. Com roteiro e direção de Jaco Van Dormael, a atmosfera de O Oitavo Dia (1996) lembra O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), ou melhor, é Amélie Poulain, produzido cinco anos depois, que remete ao filme de Van Dormael. Este é uma fábula sobre amizade em que Georges, com seus modos de criança, faz Harry redescobrir a espontaneidade e o prazer das pequenas coisas.

O ator que faz Georges, Pascal Duquenne, é um comediante nato e cria situações impagáveis. Numa delas, ele entra numa loja em busca de um par de sapatos. A vendedora, sem disfarçar a surpresa ao ver que o cliente é downiano, o atende um pouco contrariada. Na hora de cobrar o produto, descobre que ele não tem dinheiro suficiente. Quando diz que ele não pode levar os sapatos, a reação é urrar, batendo no balcão: "Eu quero sapatos!", "Eu quero sapatos!", exatamente como faria uma criança mimada ao ser contrariada.

Os gritos deixam a vendedora perplexa e ela corre para dentro da loja e pede a ajuda do gerente. Quando ele intervém, Harry está presente para ajudar o amigo, mas o desfecho da situação é inesperado. De tanto berrar, Georges ganha os sapatos.

Harry, vivido por Daniel Auteuil, tenta levar Georges de volta para casa e demora para descobrir que ele não tem mais uma. Outras descobertas criam momentos tensos e tristes no filme, mas a mensagem final é positiva. Sem controle sobre a situação, o executivo se envolve cada vez mais com o estranho. Até se dar conta de que ele não é mais um estranho. "Meu camarada, Harry!", repete Georges enquanto abraça o amigo. Chocado com aquela intimidade súbita, o homem não tem muito o que fazer a não ser responder o carinho e sorrir.

Auteuil é um dos bons atores franceses a ganhar visibilidade nos anos 1990 – ele fez também Ciúme – O Inferno do Amor Possessivo, de Claude Chabrol, e foi o Henrique de Navarra em A Rainha Margot, de Patrice Chéreau.

O cineasta Van Dormael trabalhou com Duquenne no projeto Lumière e Companhia (1995), em que vários cineastas foram convidados a rodar curtas-metragens de 50 segundos usando o cinematógrafo dos irmãos Auguste e Louis Lumière. O episódio de Van Dormael mostra um casal de namorados downianos, trocando beijos e abraços.

Depois de O Oitavo Dia, o cineasta sumiu por mais de uma década e voltou a filmar só no ano passado, quando realizou Mr. Nobody, inédito no Brasil, com os atores Jared Leto (Clube da Luta) e Diane Kruger (Bastardos Inglórios). GGG1/2

Serviço

O Oitavo Dia (Le Huitième Jour. França/Bélgica/Reino Unido, 1996). Comédia. 118 min. Lume Filmes. Preço médio: R$ 39,90. Classificação indicativa: livre.

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