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As ruas de São Paulo voltaram a ser pontos de encontro: intervalo no dia-a-dia | Rodrigo Capote/Folhapress
As ruas de São Paulo voltaram a ser pontos de encontro: intervalo no dia-a-dia| Foto: Rodrigo Capote/Folhapress

Às 6h15, o alarme do despertador interrompeu um sonho em que eu seguia dentro de um vagão rumo a não sei onde. Era domingo e eu não estava na cama onde costumo dormir. Dentro de um apartamento, no quarto andar, na Praça Roosevelt, em São Paulo, olho pela janela: havia sol e a Virada Cultural acontecendo.

No asfalto, a primeira impressão era a de que havia algo fora da ordem na cidade. E havia. Os sobreviventes da noite tentavam seguir em frente. A madrugada havia terminado, a festa seguia e muitos não queriam perder os vários shows que se realizavam continuamente.

Depois de passar por dez, no máximo 15 quadras, o Vale da Anhangabaú: minha viagem a São Paulo se fez por um único motivo. Ver e ouvir o show de Nei Lisboa, às 7 horas do domingo. Com cuias nas mãos, alguns gaúchos, orgulhosos do conterrâneo, garantiam a presença mínima para um show.

Lisboa é uma lenda urbana, com 30 anos de trajetória, excelentes canções, mas pouco co­­nhecido pelos brasileiros e brasileiras em geral.

Lisboa canta o homem em seu tempo, fala de memórias, do que pode vir, do que nunca virá. "Troco um lugar no céu/ Por va­­diar nas tuas grutas/ Me pregas uns botões/ Eu trato de vender/ Relógios de sol", eis um trecho de uma das canções que ele apresentou para uma plateia reduzida, mas completamente imersa.

Entre uma e outra canção, havia um sujeito que fotografava, com câmera digital, cada momento de Lisboa; e um outro, que dançava. Havia muita gente a dançar, às vezes não a música que estava sendo apresentada por um artista, mas a própria música interior.

Vi o domingo nascer com a poética de Nei Lisboa: antes do show acabar, uma bailarina, suspensa por um guindaste, faz sem saber a coregrafia de "Telhados de Paris", um dos hits capazes de fazer marejar todos os olhos, de porto-alegrenses, paulistanos, ou de um curitibano, como eu, que vê quase tudo passar com as mãos dentro dos bolsos da calça jeans: "Venta/ Ali se vê/ Onde o arvoredo inventa um ballet/ Enquanto invento aqui pra mim/ Um silêncio sem fim/ Deixando a rima assim/ Sem mágoas, sem nada."

Eu caminhava pela Avenida São João e havia moços e moças dormindo nas calçadas. Não vi briga, ninguém tentou me assaltar e senti que as pessoas pareciam querer fazer parte daquilo. Os exageros dos muitos bailarinos do asfalto me fizeram lembrar de um trecho de "Verdes Anos", que Nei Lisboa não cantou em São Paulo, mas que traduz o que vi por lá: "E aquela malucada toda ‘ahippiando’/ Eu nem sonhava ser tão natural [...] Dançar nos fez pular o muro/ Dançar nos fez pular um mundo."

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