Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
OPINIÃO

“Incêndio” revela uma alma artística sensual e radical

Performance de Ana Ferreira faz apelos à plateia e encanta os sentidos por meio de luzes, vapores e sátira

Atriz Ana Ferreira aprofunda sua pesquisa performática em “Incêndio”. | Daniel Starck/Divulgação
Atriz Ana Ferreira aprofunda sua pesquisa performática em “Incêndio”. (Foto: Daniel Starck/Divulgação)

Antes de mais nada, é fantástico sair de casa num domingo à noite, Curitiba, 17 graus, e encontrar várias outras pessoas pagantes desejosas por assistir a uma performance como “Incêndio”. As apresentações, na Casa Hoffmann, terminam no próximo fim de semana, de sexta-feira a domingo, às 20 horas.

Ter público é essencial para o projeto da atriz Ana Ferreira, que está sozinha no palco, nua, em vários sentidos. Em vários momentos, a plateia fica livre para se manifestar, não que o faça livremente. Mas fica aberta a ponte para esse tipo de encenação que termina de se construir no palco, com algum espaço para o improviso.

O tema do fogo é manipulado por Ana de forma bastante metafórica. Por vezes, sensual, depois lírica, com experimentalismo. Esse salto no vazio envolve o texto, de sua autoria, modulações da fala e a operação de luzes e som, que ela faz ao vivo.

Um trabalho solo é o que há de mais autoral. Dificilmente um se parecerá com outro. No palco, revela-se muito da personalidade do artista, a começar por suas escolhas. E as inquietações de Ana se insinuam nessa “conversa decorada”, envolvendo coisa pesada, como a morte, a violência, mas também o contato humano.

A forma como ela faz o teatro falar de si mesmo, satirizando a própria tradição da performance, me ganhou como espectadora já no começo: olhando com cara de sapeca para a plateia, ela gospe lentamente numa mão, depois na outra, depois no pé. Depois lambe. Está aberta a conexão Marina Abramovic.

Em seguida, microfone na mão, ela avisa que fez aquela “nojeira” toda (palavra sua) para tirar isso do caminho. Pago o pedágio da parte física “chocante”, começa a verdadeira performance da comunicação entre artista e espectadores. Ela dá um minuto para que a audiência peça que ela faça qualquer coisa, lembrando ações daquela mestre sérvia que chegavam ao cúmulo de entregar uma arma carregada ao público e dizer “faça o que quiser”.

Essa atitude radical de dar o corpo à arte aparece em gérmen na pesquisa de Ana. Apenas no final, a menção à plateia (“vocês agora vão para casa...”) acaba sendo um pouco agressiva.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.