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Beckett (à direita) dirige o ator Karl Raddatz, que interpretou Pozzo numa versão de Godot encenada em 1975, em Berlim | Divulgação
Beckett (à direita) dirige o ator Karl Raddatz, que interpretou Pozzo numa versão de Godot encenada em 1975, em Berlim| Foto: Divulgação

Algumas datas importantes na vida de Samuel Barclay Beckett

1906 – Nasce em Dublin, num 13 de abril

1929 – Publica Dante... Bruno. Vico... Joyce, seu primeiro ensaio na obra coletiva em torno de Finnegans Wake, de James Joyce

1932 – Se instala em Paris e passa a viver de artigos literários

1933 – Morre o seu pai, William

1934 – Publica a antologia de contos More Pricks than Kicks

1936 – Viaja à Alemanha e conclui a escrita do romance Murphy

1937 – Volta a Paris

1938 – É esfaqueado em Montparnasse por um mendigo, visita-o na prisão e pergunta o motivo do ataque. "Não sei, senhor", foi a resposta do homem

1941 – Morre James Joyce, em Zurique

1942 – Por causa da guerra, refugia-se no sul não-ocupado da França

1947 – Começa a escrever sua primeira peça em francês, Eleuthéria, além dos romances Molloy e Malone Morre

1948 – Trabalha em Esperando Godot

1955 – Conclui Fim de Partida

1961 – Escreve Dias Felizes

1970 – Autoriza a publicação de Primeiro Amor, escrito em 1946

1974 – Escreve a peça That Time

1980 – Começa o romance Mal Visto Mal Dito

1989 – Morre em 22 de dezembro, cinco meses depois de sua mulher, Suzanne

Com frequência, a obra de Beckett parece do tipo que precisa de um manual de instruções para ser manuseada (e mesmo assim...). Notas de rodapé, prefácios, posfácios, análises, todo tipo de recurso paratextual é usado para tornar seus livros e peças teatrais menos "estranhos". O problema é quando os textos que deveriam esclarecer conseguem complicar ainda mais. O que, no caso de Beckett, é muito, muito comum. As belas edições de Molloy e O Inominável (ambas da Globo) trazem prefácios intricados, que podem espantar em vez de atrair alguém que nunca leu nada do irlandês. Às vezes, é melhor não lê-los e ir direto ao texto.

O ator Mauro Zanatta, que estudou Beckett durante o processo de adaptação de Esperando Godot, admite que sentiu dificuldade de entendê-lo no início. Uma saída foi recorrer aos textos originais. Na opinião dele, o empenho em criar sentidos lógicos e, por isso mesmo, explicáveis para suas histórias está ligado à dificuldade de aceitar o "tamanho do absurdo" exposto nelas.

"Sem generalizar, aquilo que era ‘apenas’ um tapa na cara, e que poderia suscitar inúmeras leituras, acaba sendo traduzido com empenho excessivo, e as consequências são a intelectualização de um momento pastelão", diz Zanatta.

O professor Guilherme Gontijo Flores, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concorda com o ator.

A suposta dificuldade associada a uma peça como Fim de Partida estaria ligada à "quebra de expectativa" do público. Esta é causada pelo que o pesquisador francês Jean-Pierre Ryngaert chamou de "regime emagrecedor impiedoso" imposto à narrativa. Num texto de Beckett, fala-se apenas essencial, "ao ponto de fazer pesar (sobre a ação) a ameaça permanente do silêncio definitivo", escreve Ryngaert no livro Ler o Teatro Contemporâneo.

Flores cita Esperando Godot, que questiona a existência e não oferece resposta nenhuma. "(A peça) pode ser difícil na medida em que convida o espectador a sentir na pele – pela falta de um enredo cheio de peripécias, ou pela representação mimética do tédio – toda a angústia provocada pela condição humana, sobretudo num tempo em que cada vez mais se perde o ancoramento metafísico dado, por exemplo, pela religião ou pela ciência", diz.

"Sentir o desespero, a solidão dos personagens que esperam por alguém que nunca chega, que esperam o nada, faz com que essa obra se aproxime muito de nossa realidade, de nossa condição humana atual", afirma Flavio Stein, que dirigiu a versão de Godot com Zanatta. "Muitas vezes buscamos algo que não sabemos o que é, em uma vida repleta de recursos modernosos como a internet, mas, de certa forma, vazia na essência, às vezes até superficial."

Na prática, uma aproximação com Beckett tem lá suas dificuldades. Por exemplo, ler uma peça teatral pela primeira vez pode ser uma experiência estranha. É diferente de ler romances, contos ou poemas. E ler um romance de Beckett pela primeira vez também pode ser complicado, pois o escritor tem uma disposição incrível para quebrar regras e torcer padrões.

"Beckett é difícil, mesmo. Kafka é difícil. Thomas Mann é difícil. Thomas Berhardt é difícil. Mas não se sobe ao monte se não se começa a escalada", diz o professor Benedito Costa Neto, da Unicuritiba. "A dificuldade de um autor deve ser um desafio de leitura, de adaptação, de encenação, e não uma muralha."

Com Costa Neto, concorda a diretora teatral Rita Clemente, que adaptou Dias Felizes. "Há dificuldades sim de interpretar a obra literária (de Beckett) como um todo, mas, a princípio, a obra dramatúrgica é fácil, bem-humorada, simples e arrebatadora", diz Rita.

Para citar uma ideia importante para Beckett, se for difícil entendê-lo, é preciso tentar e falhar, tentar novamente e falhar melhor.

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