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"O Duplo" é um terror psicológico que explora a tradicional lenda germânica do Doppelgänger (etimologicamente, algo como "a réplica que vaga"). Uma das definições do ser lendário diz que ele assume o negativo de uma pessoa para influenciá-la a fazer coisas ruins, cruéis, que ela sozinha não faria.

A cartela inicial do filme de Juliana Rojas descreve exatamente isso e também o primeiro caso registrado de aparição de um duplo, o da professora Émilie Sagée, em 1845. O Doppelgänger também é associado à ideia de mau presságio e, nesse sentido, a cartela, além de lembrar como o assunto é antigo, resgatando uma estratégia do cinema mudo, torna-se imprescindível para a narrativa: apesar de praticamente informar a história do próprio curta, funciona como esse mau presságio.

Rojas sabe muito bem que o público de um thriller já senta na poltrona com a ideia, a certeza, de que algo ruim vai acontecer. A meta não é surpreender com o tema, com o fim (ou finalidade), mas com o como. Mais do mesmo, mas não.

Como, então? O segredo do terror está na apreensão do espectador, na criação de uma atmosfera de tensão, no suspense que embarca e suspende o fôlego, o tempo. O trabalho é ritmado e, nessa tarefa que parece inabdicável para quem se propõe a esse gênero, o filme é primoroso. Rojas mostra que sabe dilatar o tempo, que sabe controlá-lo.

A cena em que Vanda (Gilda Nomacce) dita o tom, puxando de forma acelerada o elástico da pasta, mostra isso. O casting também foi pensado dentro da lógica dos filmes de terror; Silvia (Sabrina Greve) é magra, pálida, tem o rosto fino e os cabelos escorridos, é mais uma Samara Morgan (de O Chamado), e é difícil não associar Vanda aos palhaços assassinos da cena de horror (talvez por causa do cabelo). Ou seja, a cineasta domina a "técnica". Mas o que ela quer mostrar é ainda uma outra coisa e o que a cartela inicial diz é isso mesmo: "prestem atenção".

Ao quê? O filme é recheado de referências. São elas que ajudam a construir sua singularidade e que ecoam por toda a obra o seu tema: o duplo, as lendas que persistem. O duplo está sempre em quadro. Por oposição: a professora e o aluno, a professora e a diretora da escola, Silvia e Vanda, Silvia e o parceiro (a cena de sexo entre os dois, em que ela começa a estrangulá-lo, diz muito). Por conformidade: a tesoura (duas lâminas articuladas com o mesmo fim), os dois dedos que puxam o elástico, as duas torneiras no chuveiro. Ou, o mais importante, pelos dois: Silvia e ela mesma. "O Duplo" começa de fato com dois círculos interseccionados no quadro negro (a professora explica a teoria matemática dos conjuntos), que correspondem a duas turmas de alunos. Doze alunos da turma A, à esquerda, vão ao parque. Quinze alunos da turma B, à direita, vão ao museu. A pergunta do exercício é: sabendo-se o número total de alunos em cada turma, quantos, ao centro, na intersecção, vão à floresta? A floresta é um lugar mítico, sagrado, misterioso, que povoa o imaginário desde tempos remotos e provoca temor, medo, curiosidade.

Os pontos se ligam aos poucos. De repente a cartela do início se mostra como um "Era uma vez" de uma história sombria, esquecemos que sabemos do que ela se trata, imersos. O livro que Vanda oferece a Silvia como possibilidade de trabalharem de maneira interdisciplinar no semestre seguinte, do qual seu parceiro lê um trecho abismado em como um livro tão sinistro é destinado para crianças, fala sobre um menino levado à floresta pelas fadas.

Há uma insistência da diretora em mostrar, frontalmente, os seios da atriz Sabrina Greve (que entrega uma atuação excelente). Não se trata de uma maneira de sexualizar a figura da professora de ensino fundamental, trata-se de um paralelo direto com os dois círculos no quadro. No meio do peito, o coração. O órgão passional para o bem ou para o mal, com o perdão da rima, almejado pela tesoura nas mãos do duplo de Silvia, que meramente assiste à cena de assassinato de Vanda, cúmplice de si mesma.

A mensagem é clara: não somos nem um nem outro, mas os dois. Estamos nessa intersecção obscura de floresta, que fascina, que atrai e que podemos nos arrepender de olhar. A beleza terrível. O aluno de Silvia foi desestabilizado pelo contato visual com o desconhecido, o monstro, a aventura às avessas de conto de fadas. "Ele viu", "ele sabe". Sabe demais: se tornou a ameaça que deve ser extinta para que a ordem seja restabelecida. Talvez seja sobre isso.

A própria criação da lenda do Doppelgänger é uma recusa (uma desculpa, uma expiação) em reconhecer que o que é mal e cruel em nós não nos é externo. Todavia, é mistério. Se assim deve permanecer para que possamos lidar com nós mesmos, porque o conto de fadas, a superfície, é mais fácil, é uma pena. Afinal, se há um extremo de crueldade, há também um de bondade. Belos, os dois.

* Texto produzido por aluno da Oficina de Crítica Cinematográfica do 2º Olhar de Cinema.

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