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Poucos designers de videogame são tão artisticamente renomados quanto Fumito Ueda. Os dois primeiros jogos de Ueda, “Ico” (2001) e “Shadow of the Colossus” (2005) foram, por anos, os exemplos obrigatórios a que entendidos recorriam para argumentar que videogames podiam ser mais do que um entretenimento sugador de alma. Se você associa videogames a jogos de plataforma com aspecto de desenho animado ou jogos de tiro, o trabalho de Ueda – com sua inclinação por quietude e evocação não verbal de emoções – seria uma epifania.

Como Simon Parkun relata na New Yorker, Hidetaka Miyazaki, o famoso criador de “Dark Souls” largou um emprego na empresa de tecnologia Oracle para se juntar ao estúdio japonês From Software depois de jogar “Ico”, um jogo cujos amplos espaços abertos e atmosfera desolada influenciaram a direção da série “Souls”.

A mais recente criação de Ueda, “The Last Guardian”, tinha seu lançamento originalmente agendado para 2011 no PlayStation 3. Nos anos que se sucederam, o jogo se transformou na gíria da indústria para inferno no desenvolvimento (o estado em que um projeto de criação muito trabalhado mostra poucos sinais de estar se aproximando da conclusão). Todos devemos agradecer aos executivos de terno da Sony por não terem abandonado a esperança. O resultado final é uma obra prima.

Cachorro-pássaro

“The Last Guardian” conta a história de um garoto que acorda em uma câmara subterrânea próxima a uma criatura de aspecto mitológico que parece um cachorro emendado a um pássaro. As cenas de abertura do jogo, que pairam próximo ao solo, me lembraram da observação do cineasta Chris Marker de que autores orientais de Tarkovsky a Ozu mantêm a câmera próxima ao chão para enfatizar as conexões dos personagens com a terra, enquanto os diretores de Hollywood frequentemente enquadram seus heróis contra o céu para mostrar seus atributos imponentes. Certamente, há uma característica terrosa em “The Last Guardian” que lhe dá seu charme e sua frustração.

No centro do jogo está a relação do garoto com a besta que ele chama de Trico. Apesar de inicialmente alarmado com a visão da criatura comedora de humanos, o garoto supera seu medo (razoável) e ajuda a besta que jaz ferida e acorrentada ao chão. Os dois formam um laço gradual conforme abrem seu caminho por através de um árduo labirinto. Assumindo o papel do garoto, jogadores precisam confiam em Trico para resolver quebra-cabeças, mas isso é muito mais simples do que parece porque a besta frequentemente parece ter vontade própria.

The Last Guardian

Desenvolvedor: JAPAN Studio

Estúdio: Sony Interactive Entertainment

Plataforma: PlayStation 4

R$ 199,90

Design ousado

O aspecto mais ousado do design do jogo é que Trico não responde com agilidade a todos os comandos do jogador. Às vezes a criatura hesita antes de agir, como quando volta seu olhar para outro lugar antes de pular em uma direção diferente. Isso acumula uma tensão no jogador, que imagina não apenas se a besta vai obedecer ao seu comando, mas se sua estratégia é a correta para a situação. Também alimenta a ilusão de que Trico não é uma entidade subserviente.

Visualmente, o jogo deposita uma simples e óbvia confiança em elementos simples como madeira, água, pedra, fogo, metal, grama, etc. Apesar de a paleta de cor raramente ir além do que é sugerido por esses materiais por boa parte da história, praticamente todo ambiente convida capturas de tela em virtude de quão expressivamente esses elementos são rearranjados. Ambos o garoto e Trico são belissimamente animados – ver Trico agitar suas penas no calor do sol é um dos muitos momentos sutis que dão a “The Last Guardian” uma áurea poética. As ações de Trico ecoam a grandiosidade da paisagem primorosamente arruinada. Vê-lo escalar ruínas de alvenaria ou arrancar grama é comovente porque é impossível ignorar o cuidado que Trico coloca em seus movimentos.

“The Last Guardian” é todo sobre uma coleção de pequenos e largos gestos que expandem, enriquecem, e acabam com um relacionamento. Apesar de ter experimentado alguns problemas com o ângulo da câmera durante meu jogo – se perdeu facilmente na plumagem de Trico – não gostaria de nada mais do que viver a experiência desse jogo novamente. Fico imaginando, como frequentemente acontece depois que me deparo com uma grande obra de arte, como tudo foi concebido.

Tradução: Pedro de Castro

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