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Leticia conta uma história de amor trágica em Neptuno | Divulgação
Leticia conta uma história de amor trágica em Neptuno| Foto: Divulgação
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Livro

Neptuno

Leticia Wierzschowski. Record, 176 pág., R$ 32,90.

Repare: a principal reclamação do vasto time de espectadores que não gosta de filmes musicais incide na falta de verossimilhança da situação em que, subitamente, todos se põem a cantar com coreografia, afinação e letra impecáveis. A literatura também tem seu paralelo nessa "naturalidade artificiosa", no lirismo que um narrador em primeira pessoa emprega. É preciso ter um motivo forte para que um relato que se deseja objetivo ganhe figuras de linguagem, metáforas e imagens poéticas. Foi nesse ponto em que a escritora gaúcha Leticia Wierzchowski, autora de A Casa das Sete Mulheres, pesou a mão. O narrador de seu último romance, Neptuno, o advogado Key, que temos a impressão de ser o protagonista da história, cede o papel principal ao garoto M., que o procura para pedir ajuda judiciária, pois cometeu um assassinato.

Simpatizando com a figura calma e poética do rapaz, Key passa a contar a história do romance de verão de M. no balneário de Neptuno, onde seus avós moravam. É quando conhece a adolescente June, que inconsequentemente atiça com sua sensualidade os desejos do rapaz, até que o ciúme se torna insuportável. O resto é previsível e a história acaba ganhando corpo, principalmente porque, assim como o garoto, o advogado também teve em sua vida um verão em que se apaixonou e botou tudo a perder graças a essa paixão. Isso, somado à ideia da escritora e jornalista americana Janet Malcolm de que um caso judiciário é uma concorrência de narrativas, transforma um caso policial em uma aventura lírica que cativa o leitor pelo mesmo motivo: as imagens facilmente identificáveis – um caso de verão, a chegada à casa dos avós, a insensatez do ciúmes.

Entretanto, a escritora peca ao exagerar no tom lírico com que o advogado trata o caso e nas voltas dadas pelo narrador coadjuvante para concluir uma história muito mais enxuta. Sobram elementos e descrições que até podem servir a uma ambientação do leitor, mas são de pouca valia para a trama. O narrador vai e volta em suas memórias do balneário e do próprio jovem M., postergando um desfecho que já se conhece e para o qual não são guardadas grandes surpresas. A impressão que fica é a de que Neptuno poderia facilmente ter 50 páginas a menos de suas já minguadas 176.

Ainda assim, não é um livro ignorável. Leticia Wierz­chowski constrói, afinal, um romance policial sem o repetitivo "who done it?", isto é, sem o mistério sobre a identidade do assassino tão banalmente usado na escassa história de nossa literatura policial. Com caminhos menos óbvios para perseguir, a autora experimentou os mais possíveis cliffhangers (técnica de roteiros que prende a atenção do leitor ao interromper a narrativa em um momento limítrofe), e outras maneiras de capturar a essência de um mistério que reside principalmente na capacidade de um jovem calmo como aquele cometer um crime tão atroz. E, obviamente, o excesso de linguagem poética pode muito bem ser um atrativo para quem não se importar com as razões pelas quais uma história é narrada tão prolixamente.

No fim, Neptuno é, a rigor, um romance de entretenimento que, embora tenha suas falhas, não furta o leitor do prazer de uma leitura rápida e minimamente prazerosa. GG1/2

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